Bons ares (nem sempre)

Acabei de voltar de Buenos Aires. Os ares continuam muito bons por lá, aparentemente, haja vista as centenas e centenas de borboletas que encontramos pelas ruas, inclusive por avenidas mais movimentadas. O ar puro do início do outono, somado à grande quantidade de praças e vias arborizadas, deve contribuir em muito para a proliferação desses bichinhos.

Não vi a Casa Rosada, muito menos o Milei, mas tive a pachorra (esta é do arco da velha) de perguntar a alguns taxistas e motoristas de aplicativos sobre o que estão achando do novo governo. Constatei uma divisão de opiniões. Para alguns, o atual presidente só pode ser um Peron redivivo, para outros, faz um “gobierno de mierda”.

Como se vê, de maneira geral, o portenho continua educado, culto e hospitaleiro, como convém a todo lorde inglês, descendente de italianos, cujo único defeito é falar espanhol. Dá uma certa inveja ver em cada esquina um teatro, uma livraria ou um sebo. E, também, uma cafeteria, uma panaderia, uma casa de empanadas, tienda de gulosinas etc. E os caras são magros.

É a terceira vez que visito a capital dos argentinos. Em 1994, como editor da revista Propaganda, viajei a convite da Abril, para o lançamento da revista Caras brasileira, no Teatro Colón. Fui na companhia de Luiza Brunet, Angélica, Xuxa, Luciano Hulk e outras personalidades glamourosas. Nem precisa dizer que La Brunet, então no auge de sua forma, roubou a cena e o coração dos nativos. Ficamos duas noites apenas, não deu para conhecer muita coisa.

Voltei a Buenos Aires em 2014, a passeio, com minha segunda mulher, à época, de turistão mesmo. Casa Rosada, Obelisco, Caminito, almoço no Puerto Madero, show de tango, essas coisas. Ficamos hospedados ali perto da Calle Florida, bem no centro. Impossível esquecer da visita ao zoológico de Lujan, a uns 30 quilômetros da capital, hoje felizmente fechado.

Explico o “felizmente”. Fui, por insistência de minha esposa, e me arrependi. Você podia botar os filhotinhos no colo ou acariciar tigres e leões adultos, uma belezinha. Desconfiei que estivessem dopados, enquanto ouvia a explicação dos funcionários “São mansos porque foram criados com os perros”. E de fato, viam-se aqui e ali os cachorrinhos a circular pelos recintos. Cheguei a pensar se eles não seriam o lanchinho das feras mais tarde. Poucos meses depois chegou ao Brasil a notícia do fechamento do parque. Minhas suspeitas eram bem fundamentadas.  
    
Nem lembro como estava a situação econômica dos argentinos então, mas achamos tudo muito barato. Desta vez, não. Embora o nosso Real ande na casa de 1 para uns 200 pesos, a conta chega a assustar em algumas oportunidades. Como não sou adepto do turismo massivo e, também, para economizar, eu e meu filho flanamos muito pela cidade. Para se ter uma ideia, em uma semana, andamos a pé uns 85 quilômetros.

Ficamos num apartamento em Almagro, esquema airbnb, ao lado do Parque Centenário, e de lá caminhávamos para Palermo, Abasto, Recoleta, San Thelmo, avenida 9 de julho, Corrientes, e por aí a fora. Em Puerto Madero, fugimos dos restaurantes badalados, como Don Julio ou Siga la Vaca, e almoçamos no Bodegon mesmo. Nada a lamentar, a carne argentina continua macia como sempre.

Um sábado à tarde, em Palermo, descobrimos o bar Locos del Fútbol, espécie de reduto dos aficionados pelo esporte. Bandeiras, flâmulas e camisas da seleção, de vários times argentinos, e até de alguns brasileiros. O ambiente, seja internamente, seja na calçada, é bastante agradável. As tevês espalhadas pelo recinto exibem todo o tempo partidas dos times locais ou dos campeonatos europeus, do Brasil, nem pensar.   

De qualquer forma, pedimos uma cerveja e passamos a acompanhar pela telinha do celular Palmeiras e Ponte Preta, pelas quartas de final do Campeonato Paulista. Passados alguns minutos, somos surpreendidos agradavelmente pelo garçom, que nos interpela: “Não é esse o jogo que vocês estão vendo?” Sem que nos déssemos conta, ele sintonizou a tevê, em frente da nossa mesa, no jogo de nosso interesse. Não precisa dizer que viramos fregueses. Uma simpatia esses caras…

Há muitos outros passeios recomendados, como a região de Tigres e seus canais ou a cidade medieval de Campanópolis, mas preferimos atravessar o rio da Plata para conferir Colonia do Sacramento, em território uruguaio. A cidade velha guarda ruinas e as primeiras construções erguidas a partir de 1680 pelos portugueses, os primeiros colonizadores a ocupar a região. Um dia é mais que suficiente para percorrer as ruas arborizadas e as edificações históricas, além de seus simpáticos bares e restaurantes.

Se a viagem São Paulo-Buenos Aires foi um sossego, a volta transformou-se num pesadelo. As chuvas intensas do final de março forçaram o cancelamento de todos os voos no Aeropark, o aeroporto mais central da cidade. O problema é que já estávamos quase às portas do avião da Aerolineas, que nos traria de volta ao Brasil. Só que ele não pousou devido ao mau tempo. Nem os demais.

Enquanto Latam, Gol, Austral e outras companhias davam toda o suporte aos seus passageiros, a companhia de Milei simplesmente nos ignorou. Depois de quase cinco horas de espera, em meio a um tumulto generalizado, somos informados de que não mais iríamos voar. Teríamos que fazer o processo de “re-imigração”, ou seja, retornar ao país deles.

Cada um que refizesse o seu check-in, procurasse uma vaga nos voos noturnos ou do dia seguinte ou retornasse ao hotel. Não tínhamos direito a vaucher ou qualquer benefício, pois se tratava de um problema meteorológico. Cheios de malas, alguns com compras no free shop local, que não podiam descartar (ah, os vinhos estavam baratos), alguns de nós “ganhamos” mais meio-dia e pouco na cidade chuvosa.

Como um bom guia turístico, não desaconselho uma viagem para lá, a cidade vale a pena, só evitem as Aerolineas. Com elas, os bons ares não estão garantidos. A não ser que Javier Milei cumpra a promessa e realmente entregue as ações da empresa aos funcionários. Seria o primeiro passo para a privatização.   

Manoel Dorneles

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