Bom de briga

Bom de briga? Eu? Nunca fui! E acho que a culpa por isso cabe a uma primeira experiência minha de pugilato, aos sete anos de idade, que terminou com um nariz sangrando – o meu, claro! – e muitas lágrimas de humilhação. Desse trauma todo, só me lembro de me ver numa posição ridícula, agitando os braços na altura do rosto, e uma mão fechada passar entre eles e me atingir em cheio.

Depois disso, só fui me meter numa briga de rua dez anos depois. O problema é que meu adversário também era ruim na troca de socos e nós dois protagonizamos um espetáculo deprimente. Teve gente que parou para assistir e acabou indo embora antes de metade. Faltava emoção à contenda. Por sorte, não pediram a devolução do dinheiro do ingresso. Não os culpo.

Nenhum dos dois sabe brigar, disseram, antes de abandonar o espetáculo. Mas o que é saber brigar? É conhecer os pontos frágeis do corpo do outro, onde dói mais, onde sangra mais, e bater sem dó, sem pausa, e que se danem as consequências, físicas e legais? É jogar as pernas para um lado e para o outro, como Muhamad Ali, e, enquanto o outro estuda os passos da dança, socar-lhe a cara como se martela uma bigorna? É sentir-se atraído pela cor do sangue e bater e cortar e rasgar até que o líquido jorre com mais voluptuosidade?

Acho que o problema é que não nasci para isso. Não consigo me ver machucando alguém. Só me lembro de ter a intenção de ferir quando, criança, protegi com espinhos a entrada de uma cabaninha que fiz num bambuzal perto de casa, e à qual deixei de ir logo depois, ao descobrir que cobras adoravam aquele ambiente. Fora isso, nunca mais.

Neste meu segundo embate, aliás, tive todas as condições de derrubar meu contendor, subir-lhe na barriga e quebrar-lhe o nariz. Mas não o fiz. Por falta de vocação para o mal. Meu instinto assassino só chega às baratas, às moscas e aos pernilongos. Mas é apenas porque eles fazem por merecer.

Ao contrário da plateia que só faltou vaiar a briga dos dois incompetentes, eu é que não ficaria para ver, mesmo se a briga fosse ‘boa’. Acho a violência deprimente. Não vejo filmes violentos, não vejo lutas, acho o tal de MMA um altar à selvageria, tenho pena de quem sofre, tenho pena de quem tem dor, tenho pena de quem sangra, tenho pena de quem apanha. Não conseguiria jamais chutar a cabeça de alguém que estivesse caído, mesmo se fosse meu maior inimigo.

E, além de tudo, eu me sentiria ridículo levantando os braços na altura do rosto e uma mão fechada passar entre eles e me acertar em cheio mais uma vez!

Marco Antonio Zanfra

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