Sete horas da manhã, acordo com o toque do telefone fixo aqui de casa. Diretamente dos States, é meu amigo Little Musk (o Muskinho), desculpem, mas como privamos de uma certa intimidade desde a infância, eu só o trato assim. A vida nos afastou um pouco, mas Muskinho – vocês já adivinharam que estou falando de Elon Musk, dono de uma fortuna acima de 160 bilhões de dólares – me liga para dizer que está com saudades de mim, vejam só. Antes de mais nada, é preciso contar que nos conhecemos há uns 40 anos. Tinha eu nove, dez anos à época, quando meus pais me levaram para a Disney pela primeira vez. O parque não era tão grande, nem tão famoso, d e modo que dava para a gente circular tranquilamente e aproveitar todos os brinquedos. Meus pais tinham medo, mas eu estava doido para subir na montanha russa, embora também tivesse um certo receio. Do nada, o moleque que está na fila à minha frente com a mãe se vira, pega na minha mão e diz, num misto de inglês com portunhol “pode deixar, eu vou com você”. Se ele vai, eu também vou, pensei com meus botões. Embarcamos no carrinho, subimos, descemos, gritamos, rimos muito, foi pra lá de divertido. Claro que depois dessa aventura, nos tornamos amigos, pelo menos naquele dia, imaginei. Meus parcos conhecimentos de inglês de então, não melhoraram muito até hoje, fazia a gente se comunicar num péssimo anglo-portunhol, só o suficiente para nos entendermos. Fomos a outros brinquedos, comemos hambúrguer, sorvete, marshmallow juntos, uma beleza. Na despedida, trocam os endereços e telefones de casa (era só o que tínhamos à época) e ficamos de nos falar.
Como veem, minha primeira viagem internacional foi sensacional, no Brasil, até esqueci do encontro inusitado com aquele menino sul-africano, branco, de férias nos Estados Unidos. Ele não, surpreendentemente, me ligou diversas vezes. Falávamos de estudos, astros, OVNIs e espaço, suas paixões; mais tarde, de esportes, filmes, games e garotas, essas coisas de adolescentes. Adultos, cada um tomou o seu caminho; me formei, ele também, deixamos de nos falar por muito tempo. Só ficava sabendo de seus empreendimentos por meio dos noticiários e redes sociais. A última notícia dele, soube dia desses, foi quando, ao lado de alguns amigos, deu uma voltinha no espaço, numa nave que ele mesmo construiu, coisa pouca. Nem imaginava que ele tivesse mais o meu contato, até que recebi a tal da ligação. Levei um susto, claro, mas fiz tudo para não demonstrar nenhuma empolgação. Afinal, estava sendo lembrado pelo dono de uma das maiores fortunas do mundo, saudoso de mim, e que ainda se intitula meu amigo. Como vocês sabem, sou um sujeito muito simples, despojado, quase um asceta. Como há tempos não tenho uma relação muito cordial com o dinheiro, nunca me dei conta de que sou amigo de infância de um ultra bilionário. Mais falante desta vez, além das saudades, ele me conta de sua recente viagem espacial e de seus projetos futuros, muitos na verdade. Está empolgado com um deles, especificamente: a exploração do Psyche 16, o Asteroide de Ouro. Já li muito a respeito desse objeto de 120 quilômetros de largura, que orbita entre Marte e Júpiter, composto basicamente de ferro e outros metais valiosos como ouro, platina, níquel. Pois não é que a empresa do meu amigo, a Space X, ganhou uma concorrência da Nasa para construir um foguete com o objetivo de explorar esse asteroide. Indago se ele pretende garimpar no Pyshiche 16, mas ele nega. A proposta da agência espacial norte-americana é apenas descobrir como ele se formou, o que daria base para um estudo também sobre a formação do nosso e de outros planetas.
Avaliam os cientistas que valor desse objeto e os metais que o compõem perfazem a bagatela de 10 quintilhões de dólares (um 10 mais 18 zeros), dez mil vezes maior que o do PIB mundial. É tanta grana que, se distribuída entre a atual população de nosso planeta, daria mais de 90 bilhões de dólares para cada um dos viventes. Oba, palavra dos socialistas, vamos acabar com a pobreza do mundo, seremos todos bilionários. Nada disso, dirão os capitalistas, tanto ouro e platina espalhados por aí provocariam um colapso na economia mundial. Grosso modo, teriam tanto valor quanto as areias de nossas praias. Em suma, com ou sem o Asteroide do Ouro, pobre vai continuar pobre e o rico cada vez mais rico. Mas, como já disse, dinheiro nunca fez parte de nossos bate-papos. Só pergunto ao meu amigo como é morar numa casa pré-fabricada de 36 metros quadrados, depois de vender todas as suas mansões. Ele diz que está bem, agora mais perto da Space X, seu local de trabalho, e continua a divagar sobre a expedição ao asteroide. A certa altura, ele brinca e pergunta se eu gostaria de receber uns dois quilos de ouro, “o máximo que poderia caber na bagagem” na volta à Terra. Agradeço, digo que não, só lhe desejo sorte na empreitada – a viagem deve começar no ano que vem e só em 2026 a nave deverá chegar ao Psyche 16. Na despedida, lembro de outro projeto dele, o de colonizar Marte e, brincando, para não o deixar no vácuo, peço que me reserve só um terreninho por lá. De preferência, com vista para o vulcão Monte Olimpo, com 27 mil metros de altura, a maior elevação do sistema solar.
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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O que o tempo altera e vira história
Se faz 40 anos que você conhece o Muskinho e tinha ‘nove, dez anos à época’, quem vai para o espaço é a aritmética!
Diríamos que tudo não passa de uma licença literária. Claro, física e cronologicamente falando, sou bem mais velho que ele, mas como a velhice está na cabeça, nossas idades se equivalem
Licença literária ou não, acreditei na história da amizade que supera os limites do tempo, da lógica e daa distânciaa física e econômica. Amei!!!