– Aposto que é uma menina!
Pois da barriga enorme da mãe nasceu, logo depois, uma bela garota, robusta, quase três quilos, fartos cabelos louros…
E ele ganhou a aposta, coisa incomum. Pois, se Deolane Bezerra era ‘viciada em ganhar’, com ele acontecia o contrário. Lavagem de dinheiro só se ele tomasse chuva quando saísse para pagar suas dívidas – o que também era incomum.
E então deu-lhe o nome de Elisabet. Com ‘t’ mudo. E, claro, ela recebeu o apelido carinhoso de Bet. Desde o berço, era Bet. Até hoje, ninguém sabe se o nome foi intencional ou não.
O pai pouco curtiu o nascimento da filha, entretanto. A aposta de que era uma menina não foi uma brincadeira doméstica. Foi feita a sério, num bar. O que ele ganhou dos outros apostadores, todavia, não chegava a bancar um décimo das dívidas que contraíra com apostas que perdera.
Apesar de vencedora, a aposta sobre o nascimento de Bet foi a gota d’água para o combalido relacionamento matrimonial. Depois de amargar derrota atrás de derrota, de ver o dinheiro do supermercado, do aluguel e das contas de luz e água escoar para cobrir as perdas do marido, a mulher o pôs para fora de casa.
– Ainda se fosse bêbado ou cheirador de pó… dava menos prejuízo! – esbravejara a esposa, ao acenar da porta, tendo em mãos a mochila com as roupas dele.
Derrotado, ele se foi. E Bet ficou, simbolicamente órfã. Mas com a missão de ela própria crescer e cuidar da germinação das sementes que o pai plantara em seu canteiro genético.
“Depende tanto da vulnerabilidade biológica, da história familiar dessa pessoa para compulsões, quanto de questões psicológicas, questões emocionais…”, explicara uma psicóloga, quando a mãe quis saber se a menina herdaria dos genes paternos o vício em apostas.
Não foi no entanto preciso muito tempo, nem teria sido necessária a consulta a uma psicóloga: já na escolinha, Bet voltava para casa com fome, pois perderia a merenda ao apostar que contaria até dez mais rápido que os coleguinhas.
No ensino fundamental, apostava a vida nas aulas de matemática e ciências biológicas com números e fórmulas que inventava.
Engravidou aos quatorze anos, apostando que não precisaria de camisinha se confiasse na tabelinha do ciclo menstrual – que se comprovou totalmente desregulado. Conseguiu arranjar casamento de fachada por conta da gravidez, mas não apareceu na igreja, porque fora acompanhar uma partida de futebol em que apostara o salário do mês.
Enfim, os frutos não caem longe da árvore…
Dava para perceber, desde cedo, que Bet recebera do pai não só a compulsão para apostar, mas também a sina de invariavelmente perder. Ela não estaria sozinha nessa tragédia, porém: em um ano, os brasileiros gastaram R$ 68 bilhões em apostas on-line. E a inadimplência atingiu, por enquanto, 1,3 milhão de apostadores.
Para Bet não morrer pagã e fugir um pouco do rol de perdedores, restava emular o pai e vencer pelo menos uma vez no jogo, confiando no que carregava em sua própria barriga:
– Aposto que é uma menina!