Apelidos

Minha amiga Camila postou no Instagram uma foto com sua gata e chamou-a de “dona Chacrona debochada…” Estranhei e perguntei: “O nome dela não era Craco?” Camila confirmou, mas ressalvou: “Chacrona é o apelido.”

Fiquei pensando: por que a gente pode batizar um animal de estimação com qualquer nome – não precisa dar bola para a burocracia do registro civil – bota algum por si só estranho e depois emenda um apelido em cima? Para simplificar? Não era mais fácil batizá-la como Craco desde o início?

Dizem que os animais têm capacidade limitada para memorizar palavras. Digamos que sua memória guarde dez vocábulos; já pensou usar setenta por cento dessa capacidade para armazenar os diferentes nomes com que você se dirige a ele?

Ia falar da incoerência das pessoas nesses casos, mas me lembrei de que o macaco não pode sentar no próprio rabo para comentar o rabo do vizinho: aqui mesmo em casa, há algum tempo, minha filha batizou um husky siberiano como Arthur, mas o chamava de Tchutchuco. Eu mesmo, hoje, chamo meu labrador Lancelot de Lanceboy, Cururuco, Pililico, Cutchutchuco e outras pequenas variações… Quer dizer, o negócio é a mania de tratar os outros por apelidos.

A escritora Doris Lessing disse uma vez que os apelidos são uma maneira poderosa de colocar as pessoas nos seus devidos lugares, mas acho que isso é pensamento de quem costumava praticar o ‘bullying’. Na verdade, os apelidos servem tanto para tratar as pessoas – ou animais – com mais carinho e intimidade, como também para a prática do ‘bullying’.

Tinha um amigo na escola que, por ter torcido o corpo durante uma simples cambalhota na aula de educação física, foi apelidado de Minhoca pelo professor – sim, eu disse pelo professor! Só o Minhoca sabe o que passou para se despir desse apelido!

Alguns nomes trazem implícito o apelido. Aliás, nem é apelido: é consequência! Todo José é Zé. Todo Francisco é Chico. Não há como escapar. E aí não se trata de intimidade ou carinho.

Li uma vez numa coluna de necrologia que o falecido se chamada José e era “tratado carinhosamente como Zé”. Ora, ninguém é tratado carinhosamente como Zé! Zé é consequência de José! Ele podia até ser chamado carinhosamente como Zequinha, mas não como Zé! Além disso, o Zé pode acompanhar outros apelidos nada carinhosos, como Zé Mané ou Zé Ruela! Percebem a diferença?

Aos 15 anos, eu beirava o metro e meio de altura e um professor de trigonometria me tratava carinhosamente como Feto; trabalhei numa revista em que um fotógrafo tinha mau hálito e era chamado carinhosamente de Boca de Latrina; quando adolescente, tinha uma vizinha de rosto redondo e adivinhem se ela não era chamada carinhosamente de Cara de Bolacha Maria?

E há apelidos também – ou codinomes, ou vulgos – não para tratar carinhosamente, ou para praticar ‘bullying’: servem para dificultar a identificação, para tornar certos indivíduos conhecidos apenas em círculos restritos. Como aquela lista da Odebrecht que nominava os destinatários de suas propinas, como Viagra (Jarbas Vasconcelos), Barbie (Marta Suplicy), Feia (Lídice da Mata), Maçaranduba (Ivo Cassol), Grisalho (Arlindo Chinaglia) e Botafogo (Rodrigo Maia).

Certos apelidos rendem mais do que gestos de carinho…

Marco Antonio Zanfra

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