Matuto do interior. Assim era meu pai. Inteligente, mas com pouca instrução, achava que era melhor começar a trabalhar logo, ao invés de estudar, como fizeram seus irmãos, pais e avós. Também, no meio do mato não havia muito o que fazer, menos o que aprender. Era suor e lágrimas de sol a sol. A alegria eram os filhos – e sempre são – criados para a roça.
Seu Samuel era forte, o que lhe possibilitou labutar como peão de boiadeiro, levando gado selvagem pelo sertão afora, comendo pó ou amassando barro.
Trabalho duro que lhe garantiu uma sobrevida de mais de 10 anos depois do primeiro AVC. Passou por mais 10 derrames cerebrais. Foi abatido, mas permaneceu firme, de pé.
Voltou a ser criança e tinha vergonha de sua dependência dos filhos. As filhas lhe davam comida na boca. A mim, filho caçula, coube a tarefa de ensiná-lo, ou reensinar, a escrever o próprio nome para receber a aposentadoria. Ele se recusava a fazer apenas um X no recibo do pagamento.
Logo o filho que ele tentou impedir (ou desincentivar) que estudasse. Seu Samuel dizia que estudar era besteira, seguramente ainda imaginando nossa dura vida no campo.
Mas, já estávamos em São Paulo, cidade que na década de 60 – eu com meus 12 anos – tinha menos de 4 milhões de habitantes. Hoje tem mais de 12 milhões.
Mesmo sem muito empenho, consegui ser o primeiro aluno da classe no primário. No quarto ano primário, a irmã da professora abriu uma escola de admissão (uma prova para entrar no colegial ou uma espécie de vestibular).
Nossa professora fez o comercial da irmã. Meu pai não me deixou fazer a matrícula, talvez por causa do preço. No entanto, a professora argumentou: “para você que é o primeiro aluno da classe, a matrícula é de graça”. Nem assim seu Samuel concordou.
O jeito foi esconder meus livros no jardim, atrás de um arbusto, e dizer que ia sair para brincar. Meu pai nunca desconfiou ou fazia vistas grossas, pois eu saia para brincar todo arrumado, de banho tomado e sempre voltava muito tarde. Saia e voltava todo dia, no mesmo horário. Claro que entrei para o ginásio, após fazer o exame de admissão.
Ou seja, até esse momento, o menino queria apenas estudar, sem pensar muito no queria ser quando crescesse.
No colegial, já com 14 anos e talvez influenciado pelas histórias de James Bond, criado em 1953 por Ian Fleming – o primeiro filme de 007 contra o Satânico Dr. No foi lançado em 1962.- eu queria ser agente secreto. Eu e um amigo de infância queríamos ir para os Estados Unidos e entrar para a Cia.
Claro que não deu certo. Um belo dia, trabalhando num banco na rua 15 de Novembro, em São Paulo, um amigo me perguntou se eu queria trabalhar num jornal. Fui para o Popular da Tarde, do extinto Diário Popular e virei jornalista.