Passava um pouco da meia-noite quando acordei com um arranhado leve na porta do quarto, seguido de um miado até então discreto. Era o gato pedindo para sair. Coisa que ele faz normalmente entre quatro e meia e cinco da manhã.
Irritado com a interrupção do sono fora de hora, pensei em chutar-lhe a bundinha e o obrigar a voltar a dormir, esperando a hora certa de sair, mas a sonolência me manteve agarrado ao travesseiro.
O gato insistiu, porém. Os arranhões ficaram mais fortes. Os miados, mais altos e frequentes. Mas isso não foi o suficiente, ainda, para me arrancar da cama.
A insistência dele prosseguiu durante uns quinze minutos. Até que – e não existe outra explicação lógica para isso – ele ponderou (com razão) que eu costumo dar mais atenção e carinho ao cachorro e decidiu apelar para uma linguagem que tocasse mais fundo minha sensibilidade: juro que, em vez de miau, ele falou ‘auau’.
Mas falou com sua vozinha de gato. Como um estrangeiro que tenta falar outra língua, mas o sotaque e a falta de ênfases na pronúncia o denunciam. O máximo que ele conseguiu, naquela hora, foi miar em outro idioma. Não procurou mudar de voz. Não tentou dar a entonação característica de um latido. Faltou-lhe a veemência do cachorro. Sobrou-lhe o sotaque felino.
Se ele pretendia me enganar, fingindo que era o cachorro quem chamava na porta, não conseguiu, por óbvio. Mas, como eu me levantei para antecipar seu habeas corpus noturno – como uma espécie de prêmio de consolação por seu esforço em demonstrar o conhecimento de outras línguas – é provável que ele acredite que fui iludido por sua pronúncia irretocável.
O que pode sugerir-lhe a possibilidade de repetir o estratagema e me tirar da cama a hora que bem entender.
Em tempo: Na madrugada seguinte, duas e pouco, acordei com a porta sendo arranhada levemente. Saí da cama já amaldiçoando o gato, mas dei de cara foi com um labrador de mais de trinta quilos, abanando o rabo feliz por me ver acordado àquela hora; o gato dormia tranquilo em seu canto.