A supérflua superestimada

O grande repórter Vasconcelo Quadros me contou esta quando a gente preenchia com histórias sórdidas a página de polícia da extinta Folha da Tarde: um jornalista amigo dele que não era muito afeito ao relacionamento com a pontuação entregava o texto sem se preocupar com as eventuais e necessárias pausas e datilografava um monte de vírgulas no final. Dizia que os editores deveriam colocá-las onde achassem necessárias.

Creio que esta pode ser uma conclusão um tanto forçada – embora plausível – de que a vírgula é afinal algo um pouco superestimado. Entenda: se os editores conseguem compreender o texto e julgar onde é necessário colocar as vírgulas é porque o texto pode muito bem ser compreendido sem elas. Para que então as vírgulas? Seriam entidades supérfluas que pairam sobre o universo literário e pousam quando lhes convém?

Na prática é isso. A gente pode muito bem escrever sem nenhuma vírgula e nem por isso se perderá o sentido do texto. Prova disso é que este texto foi escrito sem o uso de vírgulas e desafio algum leitor a dizer que não entendeu o sentido do que foi dito. Você pode escrever portanto sem usar as exigidas vírgulas e o portanto terá o mesmo sentido de um portanto escrito com elas. As vírgulas são portanto dispensáveis na maioria das vezes. Ainda que em alguns casos excepcionais sejam necessárias para não comprometer o sentido do que se pretende dizer.

Acho que na maioria dos textos a vírgula não passa de uma formalidade. Aquele papo de que servem para respirar durante a leitura é pura balela. Deve ter problemas pulmonares quem para duas vezes para respirar enquanto lê um vocativo. Ou um portanto.

Já tentei sem sucesso em dois de meus livros abrir mão de algumas vírgulas. As tentativas esbarraram entretanto na formalidade da revisão. As revisoras aprenderam que os portantos deviam vir escritos entre vírgulas e corrigiram o texto para colocarem-no dentro do formalismo em que foram educadas. Espero um dia poder escrever do jeito que quero e possa – dentro de minhas limitadas proporções – ser como Saramago em sua prosa sem pontos. E sem ser tolhido pelo formalismo das revisoras.

Marco Antonio Zanfra

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