Na casa da minha infância, não havia box fechado no banheiro. Nem uma cortina plástica com peixinhos e algas marinhas. A gente tinha de acabar o banho e puxar com um rodo a água que inundava a cerâmica vermelha. Todo mundo terminava o banho e puxava a água com rodo. Menos meu pai. Não estava entre suas atribuições enxugar o banheiro, que ele molhava mais que todo mundo.
Na casa da minha infância, as pessoas não tinham sua própria toalha de banho. A toalha era comum a todos, e ai de que quem tomasse banho por último, principalmente no inverno.
Quando o chuveiro da casa da minha infância estava ligado, a torneira do tanque dava choque. Não havia naquele tempo canos plásticos, que evitassem a transmissão da eletricidade, ou a ideia de aterramento na cabeça de meu pai, que tinha construído a casa. Nem a ideia de isolar a torneira do tanque passava pela cabeça dele. Era porque também não estava entre suas atribuições usar a torneira do tanque.
Nos fundos da casa da minha infância, havia um jardim mal cuidado, mato dividindo o espaço com rosas solitárias, que terminava num ligeiro barranco. Foi nesse barranco que enterrei Duque, um vira-latas branco que morreu quando eu tinha seis anos. Todos os dias, eu regava a sepultura dele, na esperança de que ele brotasse e voltasse para mim. Mas não deu certo.
A casa da minha infância era abastecida uma vez por mês com as compras feitas numa cooperativa. Éramos uma família de classe média baixa, mas às vezes meu pai comprava chocolate. Naquele tempo, a Garoto tinha uma barra de duzentos gramas, meu pai comprava três e cada um na casa ficava com a metade de uma barra. Se pressentisse que a gulodice de um dos filhos ia acabar de uma vez com sua metade do chocolate – ou com qualquer outra guloseima que ele comprava uma vez por mês – meu pai tinha uma pergunta desencorajadora: “E amanhã, vai comer merda?”
A casa da minha infância foi ampliada e virou casa de minha adolescência. Muito de minha mão de obra barata e incipiente foi usada na ampliação. Mas não se mexeu no banheiro: continuou sem box, com um forro de madeira azul e sem um registro de água, para ser fechado em caso de inundação. As pessoas foram saindo, a população da casa diminuindo, e de repente a toalha de banho deixou de ser de uso coletivo.
Nem sei quem mora hoje na casa da minha infância.
A casa da sua infância não era muito diferente da minha. Bem isso. Eu sei o que minha casa virou: eu e minha irmã vendemos o terreno, perto do Iraqueirao, pra uma construtora. Eles vão fazer lá um condomínio de pequenos aptos, e nos darão em troca três deles
Estive com minha irmã em Ponta Grossa no final de semana e ela disse que a casa está vazia e fechada. Dependemos agora do inventário da minha mãe para poder vender.