Vera, minha prima favorita

Ela é sempre pontual. Me visita todos os anos por esta época. Desta vez, atrasou um pouco. Por conta da neblina, seca, fumaça de incêndios, teve alguns problemas nos voos. O importante é que chegou, alegre, sorridente, faceira como sempre. Tenho inúmeros primos e primas, de alguns, gosto mais, de outros, menos, mas com ela é que me identifico: a prima Vera.

Enquanto o primo Verão vem quente, causticante, sujeito a chuvas e trovoadas, o Outono chega soprado pelos ventos, casmurro, soturno, cabuloso, a espalhar folhas pelo chão; o primo Inverno me aparece sorrateiro, como quem não quer nada, pronto para esfriar qualquer relação; a prima Vera é espalhafatosa, escandalosamente colorida, quase carnavalesca. Tem um estilo contagiante.

Eu e essa prima querida temos algo em comum: o amor pelas plantas, a paixão pelas flores. Já lhes contei que nasci na roça. Aprendi desde muito cedo a apreciar a natureza, a sentir o cheiro do mato, a identificar as árvores, por suas folhas, suas flores, pelos seus frutos. Sozinho, conferi o aroma, sabor, textura doçura, acidez, o amargor de cada um.

Herdei também de minha mãe o gosto do cultivar. Seja no sítio, seja na cidade, sempre tivemos horta e jardim no quintal. Na horta, tínhamos a nossa quitanda 24 horas. Repolho, alface, couve, tomate, cenoura, beterraba, salsinha, cebolinha, e por aí vai. Até em São Paulo, cabiam também no nosso quintal milho, mamão, maracujá, limão, laranja, ameixa, jambo.

O jardim de minha mãe merece um capítulo à parte. Eram, seguramente, mais de mil vasos espalhados ao longo do muro. Ela não se contentava com as flores comuns, como cravos, dálias, rosas, margaridas, gostava do diferente, do inédito. Não apenas a samambaia xaxim, renda portuguesa, renda francesa, avenca, mas dezenas delas.

Pode-se dizer que, minha mãe era uma colecionadora de plantas, onde ia trazia alguma espécie exótica. Lembro de um canteiro de papoulas, numa época em que não fazia a menor ideia de que essas belas flores eram usadas na “indústria” do ópio. Em uma de minhas viagens, estive no mercadão de flores em Amsterdã, onde comprei alguns tubérculos de tulipa e enfiei na mala. Pois ela plantou e conseguimos ver tulipas aqui nos trópicos.

O curioso é que, com todas essas plantas em casa, não lembro de termos algum dia comprado adubos ou fertilizantes. A nossa adubação era “raiz” mesmo. À época, criávamos galinhas e patos, cujos excrementos eram jogados na horta e no jardim. Tinha também o coco de cavalo, que eu recolhia nos terrenos baldios, com o mesmo carrinho de mão usado para fazer carreto na feira.

Quando minha mãe ficou sem forças para cuidar das plantas,  passou a doá-las a parentes e amigas. Após a morte dela, minha irmã, sem a mesma paciência, acabou de vez com as plantas do quintal. Sobrou apenas um pé de jabuticaba, com quase 40 anos, plantado por meu pai. Era um acontecimento, frutificava duas vezes ao ano. Depois da venda do terreno a uma incorporadora, nem tive coragem de perguntar que fim levou nossa linda jabuticabeira.  

Ao contrário de minha irmã, gosto muito de plantas e de mexer com elas. Na medida do possível, tento cultivar e cultuar a memória de minha mãe. Quando em casa térrea, cuido do jardim, rego, limpo; em apartamento, mantenho os vasos sempre bem arranjados. Enquanto escrevo este texto, aprecio uma bela orquídea sobre a mesa, que já floriu várias vezes, modéstia à parte, graças aos meus cuidados.

Não sou um colecionador, como minha mãe, mas gosto de plantas, digamos, exóticas. Ganhei um raminho de ora-pro-nóbis de uma senhora de Campinas e o enfiei num vaso na varanda. Não demorou muito para o cipó tomar conta de toda a parede. Hoje, suas folhas viraram o “remédio da moda”, mas eu as prefiro para refogar com frango ou em omelete.

Meu filho me trouxe também umas sementinhas pretas, que logo deduzi, tinham alguma similaridade com a questão da papoula. Sem fins recreativos, mais por curiosidade, semeei e deixei o vaso escondido lá no terraço. Brotou, estava crescendo que era uma maravilha, quando tive que viajar. Recomendei à Bete, então nossa secretária, que aguasse bem as plantas, indistintamente.  

Cheguei de viagem, fui conferir o vasinho com a simpática plantinha das folhinhas de cinco pontas. Estava seca, esturricada. Olha que eu cuidei, reguei, plantei, mas quando indaguei a Bete a respeito, ela teve o desplante de me dizer:

– Quando vi o que era, deixei morrer!

Manoel Dorneles

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