Dizem que o trabalho enobrece e dignifica o homem. Para outros, o trabalho é uma tortura. Fico com essa última definição já que, reza a lenda, a origem da palavra “trabalho” estaria no vocábulo latino “tripalium” (tri=três e palium=pau, ou seja, três paus).
O tripalium era um instrumento de tortura, inventado por soldados romanos que não tinham nada melhor para fazer. Consistia em três estacas pregadas umas nas outras: duas em forma de X e a outra pregada, verticalmente, no meio desse X. Escravos que ficavam enrolando no serviço eram amarrados no tripalium e torturados.
Mas esses estudos etimológicos se perderam no tempo e hoje, sabemos, não se consegue sobreviver sem estar trabalhando e ganhando algum no fim do mês para comer, pagar as contas e garantir a cerva na geladeira. Isso sim é uma tortura! Quer dizer, todo mundo, bem ou mal, tem seu trabalho. Até mesmo os aposentados… porque ser aposentado neste país dá trabalho.
Não para o Marcondes!
Aposentado por idade, Marcondes achou um jeito de trabalhar como administrador de suas próprias contas. Trabalho tranquilo, que ele fazia em sua própria casa. Contas a pagar em sua vida era o que não faltavam: aluguel, luz, água, telefone, internet, Casas Bahia, Magazine Luiza, IPTU, cheque especial e por aí vai.
Marcondes achava que, com sua mirrada aposentadoria, daria para encarar todas essas contas. Para isso, desenvolveu um método que ele considerava justo e honesto.
Ele anotava em papeizinhos o nome de cada credor. Depois de dobrados, os papeis eram jogados dentro de uma garrafa de vidro com tampa. Todo dia 5 de cada mês, Marcondes sorteava um papel e, para o feliz credor sorteado, ele pagava uma prestação.
Obviamente, os credores não sorteados tinham de esperar pelo próximo sorteio. Cartas e e-mails de cobrança não tardaram a chegar. As primeiras sempre muito educadas… “infelizmente, ainda não acusamos o pagamento de sua fatura. Mas, se o pagamento já foi efetuado, perdoe-nos. Desconsidere esta mensagem.”
Marcondes lia essas mensagens com satisfação. Era um homem educado e gostava de ser tratado com educação. Porém, na medida em que o tempo passava, credores não sorteados começaram a mudar o tom das cobranças.
A última que Marcondes recebeu deixou-o indignado! O título, em negrito e caixa alta, era: NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL… “Comunicamos que o pagamento de sua fatura ainda está em aberto há três meses. Assim sendo, somos obrigados a fazer uma cobrança em juízo de seu débito.”
Aquilo foi demais para Marcondes! Quem eles pensam que são? Ora, tratava-os com justiça. Que poderia fazer se ainda não foram sorteados. Era só uma questão de paciência e… sorte! Ora essa!
Com a convicção de que quem tem dívida também tem poder, imediatamente se sentou ao computador e redigiu uma resposta, explicando detalhadamente o seu método de pagamento de contas. E finalizou a resposta:
“Assim sendo, senhores… se eu continuar a receber cartas com esse velado tom de ameaça, de me processar e me levar a juízo, serei obrigado a puni-los, retirando o vosso papelzinho do vidro e, por tempo indeterminado, não participarão do referido sorteio. Passar bem!”
Verdade seja dita… as cartas e e-mails de cobrança suavizaram o tom e Marcondes, deitado em sua rede e tomando o seu licor de anis Pernod Ricard, sorriu satisfeito.
Ora essa… quem eles pensam que são?
Minha vida é um boleto aberto, e não quitado
Seu Marcondes Condesmar é um gênio icompreendido!