“Ah, meu marido é muito bom, quase um santo; eu é que muitas vezes não o entendo ou não dou o devido valor pra ele”, diz a mulher para a outra na calçada do meu condomínio, aqui em Santos. Não fiquei para ouvir o restante da conversa, mas o que ouvi foi o suficiente. Espero que não tenha sido um reconhecimento tardio, comum entre os seres humanos, que só dão valor a alguma coisa quando perdem. Pior ainda, que ela não seja daquelas mulheres que, tendo um marido tão fantástico à disposição, faz dele gato e sapato e ainda comemora na roda de amigas: “O fulano é tão bom que é até bobo”.
Cá entre nós, não deve ter vida fácil o coitado do marido, esse bom homem, trabalhador, cumpridor de seus deveres, mas no fundo um incompreendido. Chega em casa, cansado do trabalho, e nem tem tempo de se estirar no sofá ou brincar com o filhinho. “Fulano, dá um jeito nessa cortina, que tá despencando”, “Prega essa cadeira”, “Compra umas salsichas pra janta lá na padaria”. Padaria? Até que enfim, uma tarefa boa.
Ele sai rapidinho, ganha a calçada, dobra a esquina da liberdade e cai nos braços dos amigos de todos os dias. Cervejinha pra cá, cervejinha pra lá, e não demora muito pra ele esquecer o que o trouxe até ali. Quando lembra já passa das nove, a padaria fecha daqui a pouco, e ele pega o pacote de salsichas e tenta sair correndo, trançando as pernas. A mulher já tá aferrada na novela e ele ali na frente dela com as salsichas na mão. “Desculpe, amor, mas encontrei o Fer…”. “Não quero saber, o arroz e o feijão tão lá no fogão, e sai da minha frente que está atrapalhando.”
Sem muitos argumentos, àquela altura, só lhe resta ferver as salsichas, esquentar a comida e comer sozinho. Sabe que antes de dormir, talvez no sofá, ainda vai ouvir muito; tudo por causa das cervejinhas a mais na padoca. Amanhã cedo, de ressaca, todo torto pela noite mal dormida, terá que acordar às cinco para encarar o trem, o metrô e o ônibus que, finalmente, o deixará na porta da firma.
É muito fácil para nós, homens, tomarmos partido nessa situação. Em nome do espírito de corpo, podemos dizer que somos assim mesmo, meio irresponsáveis, inconsequentes, talvez fosse melhor, mas sem nenhuma maldade. Afinal, existe coisa melhor do que encostar o umbigo num balcão ou se sentar à mesa de um bar para confraternizar com os amigos? É quase uma carta de alforria, longe dessas “vampiras” tiranas, ávidas por sugar até nossa última gota de sangue. Não basta o patrão? Está certo que alguns de nós abusamos: jogamos bitucas no vaso de flores, deixamos a roupa espalhada pelo quarto, após o banho; sentamo-nos na varanda só para olhar as pernas da vizinha do prédio ao lado. São pecadinhos, é verdade, desses que qualquer padre absolveria e ainda rezaria de lambuja (ele próprio) umas dez ave-marias em nossa intenção.
Temos defeitos (quem não os tem?), mas no fundo somos puros. Tão puros e bons que, muitas vezes, temos até mais que uma “viúva” a chorar em nossos velórios (brincadeirinha). O que não conseguimos entender é a falta de reconhecimento, a ingratidão de nossas mulheres. Não entendem que não somos dignos de pena, mas de gratidão. Bem que podiam dar um desconto, pois sabem muito bem que muitas de nossas falhas herdamos de uma mulher, aquela mesma que nos trouxe ao mundo. Herdamos não, a verdade é que nossas mães fizeram vistas grossas para nossas artes infanto-juvenis e continuam fazendo até hoje. Ah, mas a ingratidão delas…
Há um ensinamento dos orientais de que “Gratidão gera gratidão, lamúria gera lamúria”. Custava nada elas nos conferirem o título de bastiões da casa, os provedores, os que fazem a roda andar. Desse jeito, sem reconhecimento, vamos cair no fosso comum. Como o do camarada que se candidatou a um cargo público e obteve apenas dois votos, um dele e o outro da mãe dele. “Ah, eu sabia que você tinha uma amante”, sentenciou a ingrata da cônjuge!
Que saudades dos meus bons tempos! Hoje se a mulher manda comprar salsicha na padaria, vou e volto em dez minutos!