Fiquei sabendo por um desses aplicativos que vicejam no Facebook que vou viver até os 127 anos. O algoritmo até definiu a exata data de minha morte – 20 de maio de 2083 – e quais serão minhas últimas palavras: “Acho que aquele último gole de pinga não foi boa ideia.”
Como não bebo há mais de 25 anos, devo ficar esperto para perceber em que parte dos 63 anos que me restam de vida vou voltar a me relacionar com o álcool. E, também, ficar atento para, na medida do possível, decifrar exatamente o que eu quis dizer quando não considerei boa ideia aquele último gole de pinga. Quem sabe dê para evitar esse último gole e me garantir ainda alguns anos de sobrevida…
Vivo fazendo esses testes. É uma forma de chegar ao autoconhecimento sem ter de pagar os tubos para um analista, que vai soltar conceitos pré-fabricados depois de cochilar durante a sessão de terapia. Não tenho por que duvidar das informações que recebo: se está na internet, é porque é verdade!
Entre outras coisas, já fiquei sabendo, por exemplo, que em outras vidas já fui compositor barroco – por isso minha familiaridade atual com Bach, Pachelbel e Albinoni – já trabalhei vendendo peixe no mercado de Constantinopla e andei botando um lenço encardido na cara para assaltar diligências no Colorado. Descobri que, se fosse mulher, meu nome seria Esther e eu me pareceria com a ministra Carmen Lúcia.
Sem sair do universo feminino, soube que, se fosse uma princesa da Disney, seria Cinderela. A figura mítica a dominar minha personalidade é a de uma bruxa. Seria um tigre feroz em minha forma externa de animal, mas, por dentro, minha imagem de animal é um gatinho fofo com uma coroa de hortênsias entre as orelhinhas pontudas. Em contrapartida, sou macho pacas no universo Marvel: Capitão América por fora e Deadpool por dentro.
Intelectualmente, sou o privilégio em forma de gente: estou entre os 5% da humanidade que conseguem distinguir a letra B em meio a um emaranhado de números 8 e onde está o cavalo com três pernas escondido num plantel de sombras carregado de quadrúpedes, além de ter capacidade de contar quantos triângulos formam uma figura cheia de triângulos. Minha cor predileta é o verde, porque sou “um gênio abstracionista com uma visão holística da unidade geométrica universal”, mas, ao mesmo tempo, sofro de paranoia aguda (quanto um analista não me cobraria para chegar a essa conclusão?). Acho que uma coisa não elimina a outra.
Há algumas opiniões divergentes, contudo, que me deixam com a pulga atrás da orelha: enquanto um algoritmo diz que vou terminar o ano com saldo de R$ 0,09 numa conta do Itaú que ainda vou ter de abrir, outro afirma que vou deixar quatro Ferraris, um cão e três gatos como herança – mas ao morrer aos 97 anos, o que contraria a previsão inicial, que me deu 30 anos além disso.
Essas discrepâncias me fazem às vezes desconfiar um pouco da internet. Mas só um pouco.