Dois de novembro chegou trazendo o Dia de Finados, dia em que todos aqueles que ainda estão por aqui prestam homenagens àqueles que já se foram. Eu, como vocês podem notar, ainda estou por aqui.
Apesar de todo otimismo e a alegria de viver que norteiam minha vida desconfio que aqueles que um dia partiram estão melhor do que nós. Bem… apenas desconfio porque, após um último suspiro, não sei o que encontraremos do outro lado da existência. Isso que me tira um pouco o sono cada vez que penso nessa incerteza, nesse inexplicável… na finitude da vida.
Mas mesmo morrendo de curiosidade sobre como seria a vidinha do lado de lá estou feliz por ainda estar do lado de cá. Aliás, sobre isso devo acrescentar que o dia que tiver de ir… olha, irei sob protestos! Mas quando ela, envolta num manto escuro e segurando uma foice, chega… chega mesmo e não adianta nenhum ato de rebeldia ou de amigável conversação. Ela apenas chega e diz:
— Queira me acompanhar, por favor…
— Desculpe, não entendi… conheço a senhora?
— Vamos…
Você sabe do que se trata e, como bom brasileiro, você tenta dissuadir a Morte com uma argumentação que nunca falhou… até com os cobradores:
— Quem… eu??? Ah! Ah! Ah! Magina… acho que a senhora está me confundindo… faz o seguinte: pergunta ali na padaria…
— Vamos, por favor…
Você tenta uma saída que, mesmo manjada, costuma dar certo:
— Olha minha senhora… vamos fazer o seguinte: eu vou deixar meu cartão e a senhora me liga quinta-feira que vem… certo? Então até lá, hein?
— Vamos…
Você percebe que está difícil convencê-la e, juntando os pés e empertigando o corpo, você aponta o dedo na cara dela numa atitude radical:
— A senhora sabe com quem está falando?
— Sei… vamos!
Numa última instância, você tenta intimidá-la com o tráfico de influências:
— Eu tenho amigos, minha senhora, conheço muita gente. Já ouviu falar do Coronel Osires? Hein? Hein?
— Conheço! Levei-o na semana passada… agora vamos!
Não tem jeito! Chegou a hora ela leva mesmo. Aí acontece o de sempre. A nota triste espalha-se pelo seu círculo de parentes e amigos, todos ficam chocados e chorosos e você, durante seu velório, transforma-se na melhor pessoa do mundo. Esquecem-se seus defeitos, seus erros e, antes de o mandarem superfície abaixo, você durante um dia e meio é colocado no pedestal dos bons!
Durante o meu velório que, prometo, será a primeira e a última vez que isso vai acontecer eu só desejo uma coisa: que momentos antes de colocarem a tampa no meu caixão, o último ou última a se despedir de mim, ao contemplar-me morto arregale os olhos e grite com toda força:
— ELE SE MEXEU!!! ELE SE MEXEU!!!
Intrusa, irritante, inoportuna e irremediável