Na sala de espera da clínica, enquanto acompanho um amigo, submetido a alguns exames de rotina, ouço a Rádio Saudade, aqui da vizinha Guarujá. O repertório é eclético, viaja de Ivan Lins a Bob Marley, passando por Roupa Nova, Queen, Elis Regina, Carole King, Cássia Eller e tantos outros. Numa prova viva de que “saudade não tem idade”, como era batizado um antigo programa da Rádio Globo, viajei também.
Pois só o rádio nos possibilita esses devaneios melódicos em meio ao caos urbano. Vivo essa relação “radioafetiva”, até onde alcança minhas memórias da infância. Que me lembre, desde meus quatro ou cinco anos, quando morávamos na roça, onde meu pai ganhava a vida na capina do cafezal. O rádio era o seu parceiro, durante o preparo do café e do almoço, que levava na marmita.
Rádio a pilha, bom que se diga, pois não tínhamos energia elétrica por lá. Do meu quarto, escutava o som que vinha da cozinha, só modão sertanejo raiz. Era um tal de Tonico e Tinoco, Raul Torres e Florêncio, Cascatinha e Nhana, Pedro Bento e Zé da Estrada, Zé Fortuna e Pitangueira, e por aí vai. Eu não me lembro, mas foi pelo rádio que meu pai ouviu os jogos do Brasil, campeão pela primeira vez em 1958.
Em 1962, no bicampeonato, já estávamos em São Paulo, mas como não tínhamos televisão, a radiofonia predominava. Por sinal, a tevê demorou para chegar em casa, só veio ali pelos anos 1970, no tricampeonato da seleção brasileira. Antes disso, o rádio ficava ligado praticamente o dia inteiro. As rádios Tupi, Nacional, Excelsior, Piratininga, 9 de Julho predominavam. Detalhe, tudo AM, pois as Frequências Moduladas ainda não existiam.
Acho que na Nacional, que depois virou Globo, quem nos dava bom dia era o Zé Bétio. Hilário, principalmente, para mim que vim da roça. Era um tal de galo cantando, vaca berrando, panelas caindo na cozinha. Então o operador rodava o sucesso de Carlos Gonzaga “Quem é que lhe cobre de beijos, satisfaz seus desejos…” Era a deixa para o locutor: “É o Zé Bétio”. A programação incluía também as 100 melhores músicas da parada de sucessos.
Depois do Zé Bétio, vieram Barros de Alencar, Eli Correia e muitos outros campeões de audiência. Eu, particularmente, não perdia o Hélio Ribeiro, com seu vozeirão de travesseiro, já na Bandeirantes. “Sabe quem”, “Sabe quem” e lá vinha Johnny Rivers, Bee Gees, Neal Diamond, que a gente queria ouvir e até gravar, mas ele não deixava. Fazia questão de traduzir a música de cabo a rabo. “Esta música vai para a moça do Karman Ghia vermelho”, “do Chevette amarelo” ou do “Opala azul”, arrematava.
Mas o rádio também era novela. Bem antes da televisão, em 1941, a extinta Nacional trouxe pela primeira vez no País “Em busca da felicidade”. Depois, vieram “O Direito de Nascer”, “Marcelino pão e vinho” e tantas outras. Na antiga rádio Piratininga, não perdi um episódio de “Jerônimo, o justiceiro do sertão”, que nada ficava a dever ao Zorro, Roy Rogers, Jet Jackson e outros heróis das “gringas”.
Nunca curti muito narrações esportivas, apesar de grandes locutores esportivos brasileiros terem vindo do rádio. Entre eles, Edson Leite, Geraldo José de Almeida, Silvio Luís, Osmar Santos José Silvério e Fiori Gigliotti, considerado um poeta ao microfone. Quem não se lembra de seus famosos bordões como “Abrem-se as cortinas e começa o espetáculo” ou “Bola com Leivinha, o moço que veio de Lins”.
Houve uma época em que, após os jogos, fazia sucesso na Panamericana (depois Jovem Pan) o famoso “Show do Rádio”, cujo destaque era a “Rádio Difusora de Camanducaia”. Conduzido por Stevan Sangirardi, o quadro criou personagens impagáveis dentro do universo esportivo. Como esquecer do são-paulino Didu Morumbi, do corintiano Joca e dos palmeirenses Comendador Fumagalli e Noninha?
Com o advento da televisão, o questionamento era sobre o futuro do rádio no Brasil. Eu nunca tive dúvidas. O rádio sempre fez parte da minha vida, a princípio, em casa, mais tarde, no carro. Fosse na ida e volta do trabalho ou numa viagem, nunca dispensei essa preciosa companhia. Aprecio, principalmente, a programação musical e o noticiário, cujo exemplo mais famoso foi o “Repórter Esso”.
O programa foi ao ar pela primeira vez em 1941, pela Rádio Nacional, na voz do locutor Eron Domingos e, mais tarde, Roberto Figueiredo. A propósito, meu amigo Odemar Costa, radialista ora aposentado, viveu uma experiência que vale a pena ser compartilhada. Natural da catarinense Urussanga, ele começou na Difusora de Itajaí como locutor esportivo.
Mudou-se para São Paulo, em 1963, para atuar no esporte da Bandeirantes e, de cara, ganhou um “presente” inusitado. Chegou à rádio em 22 de novembro, mesmo dia do assassinato do presidente norte-americano, John F. Kennedy. Como o locutor do noticioso não estava presente, o diretor da rádio indagou se ele teria condições de assumir o microfone.
Não só levou ao ar a notícia do atentado, em primeira mão, como segurou toda a programação ao longo do dia, com informações sobre o mandato do presidente morto, Baía dos Porcos, família Kennedy etc. A experiência o tornou conhecido nacionalmente. Por acaso, era um estudioso do assunto. Um típico caso da pessoa certa, no lugar e hora exatos. Coisas que só o rádio proporciona.
PS.: Esta é uma singela homenagem ao rádio brasileiro, cujo dia é celebrado em 25 de setembro. A primeira transmissão radiofônica no País se deu em 7 de setembro de 1922. A escolha do 25 de setembro é pela data do aniversário de Edgar Roquete Pinto, o precursor do rádio no Brasil.





Nunca fui muito de ouvir rádio, mas cheguei a decorar a vinheta de um programa ouvido pela vizinha: “Barros de Alencar/Vai apresentar/As sete mais do dia/As sete campeãs…”