Porque não me ufano mais

Na recém-encerrada Copa América, torci sem nenhum pudor para o time da Colômbia. Me impressionou o espírito de luta de uma seleção em tese mais fraca, a jogar de igual para igual contra os poderosos Brasil, Uruguai e Argentina. Confesso que senti uma ponta de inveja dos hermanos “cafeteros”, pois há muito não vejo essa garra, essa vontade na equipe brasileira. Sinal dos tempos, minha gente, sinal de que, realmente, quem não tem cão caça com gato mesmo. Quem não tem jogadores de fibra, voluntariosos, sedentos de vitória, tem que apoiar a seleção do país vizinho, onde essas qualidades abundam.

Acompanho o futebol não é de hoje. Essa coisa de torcer, assistir aos jogos, resenhar, descobri quando tinha lá meus oito, nove anos, recém-instalado em São Paulo. Na roça, de onde vim, ninguém falava disso. Meu tio, dois anos mais velho do que eu, já há algum tempo na capital, era corintiano. Coitado, até então nunca vira o time dele ser campeão. Eram anos e anos de fila. Entre os torcedores rivais o Corinthians era conhecido como “faz-me-rir”, uma alusão a um bolero de sucesso da época, na voz da Ângela Maria. Quem dava as cartas aqui em São Paulo eram o Santos de Pelé e o Palmeiras, então chamado de “Academia de Futebol”. 
 
Descobri que era comum na cidade grande cada um escolher um time para torcer. Quando meu tio me contou que o último campeão paulista tinha sido o Palmeiras, não custei nada a me decidir. Além disso, o nome Palmeiras, na minha cabecinha matuta, remetia ao verde, a coisas do mato, ao lugar de onde eu viera. Achei curioso que meu tio, em nenhum momento, tentou me aliciar para o time dele, o que não seria tão difícil. Hoje, sou-lhe eternamente grato. A “Academia Verde” daquela época era sinal de satisfação garantida. E continua sendo até hoje.

Eram os anos 1960, o Brasil acabara de ganhar o bicampeonato mundial no Chile, mas pouca gente acompanhou. Era tudo pelo rádio. Em 1966, quando já estava no colégio interno, acompanhei “malemá”, pela tevê em preto e branco, que chuviscava o tempo todo, o “vexame” brasileiro na Inglaterra. As aspas se devem ao fato de que o Brasil, embora com uma seleção já envelhecida, até tinha todas as condições de ganhar. O problema foi que os caras bateram tanto no Pelé, então no seu auge, que ele saiu de campo carregado e o time desandou ainda na fase classificatória.

A Copa de 1970, no México, marcou, além da chegada da televisão em cores, a redenção do nosso futebol. Foi a primeira vez que acompanhei a seleção brasileira de fato. Claro, de um lado, estavam os militares, que tentavam usar o sucesso do time em prol da campanha ufanista deles; do outro, a magia de Pelé, Tostão, Jairzinho e Cia, que compensava todas as agruras do regime. Não há dúvida de que o tricampeonato uniu numa só festa partidos, cores, esquerda, direita, e demais facções.  

Demorou exatamente 24 anos para que uma seleção brasileira de futebol voltasse ao pódio, ainda assim com um futebolzinho bem chinfrim. O título veio nos pênaltis, graças à má pontaria dos italianos. Nesse intervalo, o Brasil chegou a um terceiro lugar, na Alemanha, em 1974; viu a Argentina levar um troféu “muito suspeito”, em 1978, também sob um regime militar; voltou ao México em 1986, mas não cavou nada; e à Itália, em 1990, também sem sucesso.

Não podemos esquecer da frustrante Copa da Espanha, em 1982. Zico, Sócrates, Falcão e demais comandados de Telê Santana jogavam o fino da bola, mas não ganharam. Prevalece aí a velha questão: “O que é melhor jogar bonito ou ganhar títulos?” Se alguém tinha alguma dúvida, a resposta veio exatamente com o “esquisito” tetracampeonato de 1994, nos Estados Unidos, um dos lugares mais inóspitos no mundo para o futebol.

A seleção voltou a empolgar em 1998, na França. No auge, após o retorno de uma contusão, Ronaldo “Fenômeno” era uma garantia de vitória, mas antes da final ele acabou vítima de uma misteriosa convulsão que praticamente o tirou do jogo. Resultado: o Brasil levou um baile da França, um país onde o futebol sempre esteve em segundo, terceiro ou quarto plano. Eles preferem ciclismo, rugby, tênis, essas coisas.

Depois de mais uma contusão, eis que Ronaldo volta em 2002, na Copa dividida entre a Coreia e o Japão. Mesmo sem estar no melhor de sua condição física, o técnico Luís Felipe Scolari o convocou, em vez de Romário, o queridinho da mídia esportiva. Acertou. Ronaldo se destacou, o Brasil fez uma excelente campanha e conquistou o inédito pentacampeonato.

Quatro anos depois, o Brasil levou à Alemanha quase o mesmo time, mas com os jogadores, aparentemente, enfastiados, sem vontade nenhuma. Mais um vexame, agora sem aspas. De lá para cá, foi só ladeira abaixo, uma vergonha atrás da outra. Jogadores descompromissados, mimados, com fama de “cai-cai”, preocupados com a grana, com o visual. Um time que sempre esteve entre os quatro melhores, não chega nem às semifinais.

Nada mais ilustrativo sobre o momento vivido pela seleção brasileira do que a charge recente publicada na imprensa alemã. Ela mostra o vestiário do Brasil, com os atletas concentrados. Não exatamente para o jogo, mas, em frente do espelho, a cuidar dos penteados, dos mais variados estilos. E o futebol, ó…

Por essas e outras, não assisto mais aos jogos da seleção, não acompanho, não torço, não me ufano mais!

Manoel Dorneles   

3 comentários

  1. Fiz um comentário há algumas horas pelo celular, foi publicado e agora sumiu. Repetindo:
    Torci pela Colômbia por ser contra a Argentina e por abrigar nosso Richard Rios, que jogou um monte na Copa América. Mas parece que seu desempenho no torneio ofuscou sua vontade de jogar pelo Palmeiras: está irreconhecível em cima dos saltos altos!

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