– Mãe, vendi meu zóio, vou ganhar trezentas pila!
Entretida com as panelas no fogão, a mãe:
– Que bom, filha, certeza de que não vai lhe fazer falta. Você já não enxergava muito bem mesmo. E esse dinheirinho vai ajudar muito nas compras do mês.
Foi um custo explicar que ela apenas aproximara o rosto de um aparelho, onde um moço “sacaneou” seus olhos. Na verdade, o ‘moço escaneou’, mas para ela e a mãe, semianalfabetas, era tudo a mesma coisa.
Com mais vagar, a jovem, em busca de um emprego há meses, conta que fora levada por uma amiga ao escritório da Tools for Humanity, no centro de São Paulo, onde negociou sua íris. Em troca, recebeu um papel, uma garantia de 48 worldcoin, que ela poderá trocar por uns 300 reais.
E olha que a moça não está sozinha. Só no Brasil, mais de 1 milhão de pessoas já acessaram o aplicativo da empresa, fundada por Sam Altman, CEO da OpenIA, integrante do ChatGPT. No mundo inteiro, foram mais de 22 milhões de acessos, segundo matéria do site UOL.
Quem nunca ouviu falar de gente que, premida pela necessidade, vendeu ou pensou na possibilidade de vender um dos rins. Quem o fez, ganhou muito dinheiro com isso. Mas a íris é diferente, pois, a exemplo das digitais, ela é única para cada pessoa. Impossível de ser copiada.
Os objetivos alegados pelos representantes da empresa, aparentemente, são nobres: ajudar as pessoas a provarem que são humanos e não robôs. Eu discordo um tanto. Não obstante todas as limitações impostas pela idade, ainda sou capaz de provar isso, sem precisar expor meus lindos olhos.
Não teria nenhum problema em negociar minhas digitais, mas acredito que o pessoal as devolveria. Estão meio gastas pelo uso. Aliás, poderia elencar aqui várias coisas que venderia facilmente, caso não tivessem por demais desgastadas: rim, fígado, pâncreas, vesícula, joelho. Sem falar naquelas que não uso mais, mas que ninguém não tem nada com isso. Tô falando do cérebro, que fique bem claro.
No caso da íris, sigo com um pé atrás. Nunca fui adepto a qualquer teoria da conspiração. Muito embora, acredite em ET’s, OVNI’s, OSNI’s, mesmo não os tendo visto, governo oculto, reptilianos, nos Illuminati etc. Só desconfio do que serão capazes de fazer com nossa íris no futuro. Um futuro que pode estar logo ali na esquina.
Quando das vacinas contra a Covid, aventou-se a suspeita de que elas poderiam carregar um nanochip, pelo qual, poderiam controlar todos nosso passos ad eternum. Provável que não estaremos aqui para enxergar (sem trocadilho), mas se negociarmos com a Tools for Humanity, poderemos sobreviver através de nossa íris.
Nesse futuro, recém-saído de um experimento de criogenia, o corpo recebe alguns órgãos vitais, desgastados da outra vida, e de quebra, a minha íris. Ele teve sérios problemas com o fisco do seu tempo, mas agora, a íris nova possibilitará o seu acesso a qualquer banco ou sistema. Corre também o risco de herdar todos os meus débitos devidamente registrados pelos sistemas da Tools.
Em outra situação, uma máquina capaz de fazer tudo o que um ser humano faz recebe minha íris e sai toda pimpona por aí. Passa pelo centro de São Paulo e encontra um escritório de uma empresa, que escaneia íris em troca de algumas “coins” da época. O objetivo é provar que ela é um robô, não um humano. Humano, então, é coisa totalmente fora de moda…
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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Texto interessante. Mas ainda não consegui entender o que os caras fazem depois de ‘sacanear’ a íris.