Pé frio

Sou um daqueles milhões de brasileiros típicos que não têm qualquer intimidade com a sorte. Jamais ganhei algo em loterias, rifas, bingos, tampinha premiada, vale-brinde em saquinho de Elma Chips ou picolé de graça no palito da Kibon. Se existe uma fada dos sorteios, ela certamente atravessa a rua quando me vê.

Só me consola o fato de que não sou o único desditoso: como eu, são milhões de deserdados – centenas de milhões, se considerarmos a horda de habitantes que pisa com seus pés-frios a superfície do planeta.

Antes que me perguntem, revelo que também não sou dado a achar nada de valor na rua. Houve uma fase negra de minha vida em que eu – desempregado, morando sozinho e ainda adepto da bebida – andava de cabeça baixa pelas ruas de Florianópolis, procurando pelo chão alguma sobra do infortúnio alheio. Em vão, porém: não só não achei nada, como ainda agravei meu problema postural.

Até agora, eu tinha encarado a sorte como algo maniqueísta, sem meio-termo: ou você tem, ou não tem. Não existe quase sorte. Você pode até apostar em números muito próximos das seis dezenas da Mega Sena, mas isso não significa que você quase teve sorte. Significa, na minha modesta opinião, um azar redobrado, porque aliado à frustração de quem dá com a cara na porta.

Cheguei a pensar que as coisas tinham mudado quando sonhei que alguém me apresentava uma sequência de dezenas que seriam sorteadas, e entendi aquilo como uma mensagem cósmica de uma entidade que tinha me escolhido para ser milionário. Eram cinco dezenas: 02, 22, 29, 35 e 44. Faltava uma para completar uma aposta na Mega Sena. Não pensei em momento algum em jogar na Quina – o que seria lógico, já que eram cinco números.

Pelo contrário, joguei várias vezes na Mega Sena – a única loteria que parecia tornar alguém milionário de uma vez só – acrescentando a dezena 49 à sequência que a ‘entidade’ havia oferecido em sonho. Se tivesse dado certo, hão de convir meus amados leitores, provavelmente eu não estaria aqui hoje, escrevendo estas mal e porcamente traçadas linhas de um Dell Inspiron tão antigo que nem é elegível para receber o Windows 11.

E então voltei a me recolher à minha insignificância diante do fator sorte. Sem exagero, faz bem uns dez anos que não meto a caneta num volante de apostas. Se fosse calcular quanto deixei de gastar, certamente não estaria milionário. Mas, pelo menos teria como trocar o computador.

Marco Antonio Zanfra

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