Tem um livro de Cora Coralina que me faz lembrar a primeira vez que a ouvi contar a história dos meninos verdes. Foi por volta de 1978-79. Estávamos em Ilhéus (BA), na casa de meu tio, coronel do Exército. Passávamos boa parte do tempo na cozinha, sentados à mesa, ouvindo Cora, enquanto minha tia cozinhava, fazia sorvete e nos servia bolos maravilhosos.
Os adultos conversavam, enquanto eu, a única criança presente, xeretava por perto, só ouvindo. E Dona Cora começou a contar…
Outro dia, “Seu” Tomé apareceu afobado, no meio do trabalho na horta. Seu Tomé foi o trabalhador de confiança da minha avó, a vida toda, desde que ela teve o sítio, em Andradina (SP).
– Dona Cora, dona Cora, a senhora precisa “vê” o que achei! Vem logo!
E lá fui eu, até a horta. Ele mexeu, fuçou nas verduras e, de repente, parou, atarantado. Olhei, olhei, procurei e, no meio das longas folhas de alface, vi vários olhinhos grandes, numas cabeças esquisitas, pequenas demais, me observando. Pareciam bonecos, de tão pequenos, e andavam, mexiam as mãos, pulavam, brincavam uns com os outros. E eram verdes.
– “Seu” Tomé, parecem bebês! O que vamos fazer???
– Sei, não…
Depois de pensar a noite toda, saí, cedinho, me certificando que os meninos verdes continuavam na horta. Procurei alguém que tivesse um telefone e pedi à telefonista que fizesse uma ligação para o Palácio do Planalto, em Brasília. Voltei para casa e aguardei muitas horas, até completar o interurbano.
(Aqui, parênteses, para quem não viveu a época do telefone de manivela. As ligações locais e interurbanas eram feitas pelas telefonistas e, mesmo de Goiás para Brasília, levavam horas para serem completadas.)
Continuando a história…
No fim da tarde, vieram me chamar, avisando que alguém atendera no Palácio do Planalto. Era um assessor, do assessor, do assessor, do presidente João Baptista Figueiredo. Contei a história. Por incrível que pareça, ele acreditou. Acho que também acreditava em alienígenas…
Dias depois, homens do Exército apareceram na minha casa, para ver os meninos verdes. Tímidos, os bebês resolveram brincar de esconde-esconde. Mas os militares não arredaram pé. Ficaram ali, observando, até que, aos poucos, os meninos foram aparecendo, um a um, para fazer suas estripulias e se exibir.
Ligaram para o ministro da Agricultura, Delfim Neto (de março de 1979 a agosto de 1979), que tinha lançado o programa “Plante que o João garante”. Outras muitas horas de espera, até que o ministro atendeu e mandou levar os meninos verdes para Brasília.
– De jeito nenhum, eu disse a eles. Nasceram aqui e vão ficar aqui!
(Mais um parênteses: era época da ditadura… Ninguém ousava enfrentar um grupo de militares nem desobedecer a ordem de um ministro. Mas Dona Cora é quem conta a história, ok?)
Continuemos…
Desalentados e surpresos, os militares voltaram a se comunicar com Brasília.
“Tragam Dona Cora e os meninos verdes, já”, ordenou o próprio presidente Figueiredo.
E lá fui eu, com os bebês acomodados em uma caixa, para Brasília. O general Figueiredo me recebeu, conversou muito tempo comigo e garantiu que, ali, no Palácio, os meninos seriam muito bem tratados. Prometeu manter as emas longe deles, para evitar que se machucassem, ao brincar com elas.
Voltei a Goiás, tranquila, sabendo que o presidente cumpriria a promessa.
Fim da história? Peraí…
Meu tio, com mais de 40 anos, fez a pergunta que eu, menina, ia fazer…
“Mãe, o que aconteceu com os meninos verdes????”
“Filho, é só uma história que estou pensando em escrever.”
Anos depois, saiu o livro infantil “Os Meninos Verdes”. Claro que sem minha contribuição – as emas, por exemplo – e as memórias da menininha que “gostava de ouvir contar histórias repetidas, em repetição sem fim”.