Sei que para muita gente isso vai parecer apenas uma figura mítica – a personificação do medo infantil, como o ‘boi-da-cara-preta’ e o ‘bicho-papão’ – mas duvido que algum de meus selecionados leitores não tenha conhecido, em sua remota infância, um exemplo em carne e osso do ‘homem do saco’.
A justificativa para essa minha certeza é que as mães sempre precisaram de parâmetros concretos para consolidar a imagem de terror na mente dos filhos. Criança tem imaginação, mas dificilmente vai usar essa capacidade criativa para construir algo que a amedronte. Por isso, é necessário o exemplo de fora.
Não era difícil nos meus longínquos primeiros anos de vida – e é muito menos difícil hoje – encontrar protótipos de seres humanos que infundissem pavor às pobres crianças. Qualquer figura que fuja da normalidade – como um mendigo maltrapilho, de preferência carregando um saco imundo – pode representar uma ameaça aos pequenos cujo comportamento mereça advertência.
Afinal, quem garante que aquele saco imundo não sirva para esconder e carregar criancinhas malcriadas?
Se tem gente que morre de medo de palhaço, do Papai Noel e do He-Man – figuras que teoricamente representam o bem – por que um sem-teto fedorento não seria aterrorizante? Não quero endossar a psicologia do susto, mas creio que criança que não se comporte direito, mesmo diante da ameaça de ser carregada num saco, tem potencial desvio de conduta.
Lembro-me de que, quando era pequeno, perto de minha casa existia uma esp´cie de ‘mulher do saco’. Era uma negra velha, corpo encurvado e rosto vincado, que morava num barraco de dois por dois metros. Vivia trancada e em silêncio. Hoje, as pessoas praticam paraquedismo, canoagem e bungee-jump; nós produzíamos nossa adrenalina fugindo em desabalada carreira depois de bater nas paredes do barraco para despertar e desentocar a ameaça…
Mencionei esses primórdios da minha civilização para comentar que as pessoas estranhas, as pessoas que fogem do padrão, continuam sendo evitadas, continuam sendo consideradas ‘homens do saco’. Mesmo que não sirvam de arquétipo para o amedrontamento infantil, elas acabam pagando de uma forma ou de outra por esse alheamento ao chamado mundo real.
É o caso de uma mulher que foi encontrada morta em seu apartamento, em Santos (SP), de onde foram retiradas mais de quatro toneladas de lixo e entulho e centenas de baratas, além de 40 animais de estimação, vivos. Isso tudo dentro de um apartamento, num prédio de dois andares. Os vizinhos disseram que ela vivia sozinha havia alguns anos e que provavelmente tinha problemas mentais. Mas ela viveu isolada até morrer. A vizinhança estranhou o cheiro e chamou a polícia.
Difícil descobrir como eles conseguiram distinguir entre o odor da decomposição do corpo e o mau cheiro das quatro toneladas de lixo e dos 40 animais – 29 gatos, sete coelhos e quatro cachorros – que viviam com ela.