O estranho caso do cachorro que mastigava óculos

Cachorro mastigar chinelos, ainda vai! É um dado histórico!

Mas óculos?!

Já são dois os pares de lentes a frequentar o depósito de baba de meu labrador Fred. Como ele vai fazer dois anos, as frias estatísticas diriam que ele mastiga um por ano. Mas não. Ele mascou os dois num prazo pouco maior do que nove meses entre um e outro. Então, não sei como as frias estatísticas se refeririam a esse espaço de tempo: um a cada nove meses? dois a cada ano e meio?

O que eu sei é que é um transtorno para alguém que tem 4,75 graus de miopia no olho direito e 5,00 graus no olho esquerdo, e não sei mais quanto de astigmatismo em ambos, usar óculos mastigados. Enxergar sem óculos não dá! Enxergar através de lentes marcadas por dentes caninos – não quatro dentes caninos, como os seres humanos, mas TODOS ELES – dá a impressão de que o mundo está sujo.

E amarrar um cordão em cada uma das hastes, para evitar que as pernas abertas dos óculos façam o dito cujo voar com um simples movimento de cabeça? Se facilitar, capaz de você ficar com um olho numa lente e um fora da outra, mesmo com o cordão tentando manter a compostura da armação. E, se já estava enxergando um mundo sujo, imagine-o sujo e fora de foco.

O primeiro incidente aconteceu em dezembro passado. Visitas em casa, a gente conversando despreocupados, e quando fui procurar os óculos que tinha deixado no sofá, cadê?

Fred estava no gramado, deitado e roendo alguma coisa que meus leitores não devem ter dificuldade em adivinhar o que era. Tiramos a armação de sua boca, mas uma das lentes havia sumido. Fomos encontrá-la quase uma hora depois, abraçada pela grama e pela escuridão da noite. Estava toda picotada pelos dentes dele, e não serviria nem para ver o mundo sujo e muito menos fora de foco. As hastes formavam um ângulo de mais ou menos 45 graus, uma de cada lado, para cima e para baixo.

Com o conjunto inutilizado, fiquei uma semana usando antigos (e já defasados) óculos de sol, enquanto a ótica preparava o substituto. Certo que era uma armação Moschino, mas de que valem óculos escuros de grife se você tem de enxergar com eles mesmo dentro de casa?

O segundo ataque do destruidor de óculos aconteceu agora. Estava entretido buscando configurar um aplicativo para a tevê, saí da sala para acessar o computador e fui alertado pelo ruído de alguém agitando um copo de uísque com gelo, ou comendo vidro, o que era mais provável. Consegui tirar-lhe a armação da boca antes que ela sucumbisse a seu rolo compressor, mas o resultado não deixa de ser desanimador: as hastes ficaram tortas; um arranhão na lente direita, bem na altura da pupila,  transformaria a visão do rosto de Nathalia Dill num borrão indefinível; na lente esquerda, parece que enfiaram um grande dedo pouco abaixo da linha de visão – dava até para ler as impressões digitais.

Nos dois casos, os óculos estavam sobre o sofá. Havia três controles remotos por perto, mas ele os ignorou. Sua dieta exigia óculos. O que me obriga a lembrar – o que é cada vez mais difícil, com o avanço da idade – a não deixar mais os óculos ao alcance da avidez de suas engrenagens bucais.

Mas isso é só por enquanto, porque esse cachorro nunca deixa de me surpreender…

Marco Antonio Zanfra

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