O autor deste texto, Marco Antonio Zanfra, está lançando hoje seu sexto livro, O Navio Fantasma, no bar Canto Madalena, às 20 horas.
Foi em novembro de 1978, durante o gozo de minhas primeiras férias como repórter da Folha, que passei uma semana totalmente atípica no Rio de Janeiro. Fui mais par trabalhar do que ‘turistar’. E paguei caro por não ter um planejamento para isso. Foi uma viagem completamente ‘porra-louca’ – que naquele tempo era uma expressão da moda.
Saí de São Paulo pré-pautado: tinha acertado com o competente Valdir Zwetsch, editor da revista adolescente Geração Pop, da Abril, que traria uma entrevista com Chico Buarque sobre os jovens e outra com o elenco do seriado Ciranda, Cirandinha, da Globo, também centrado nos jovens: Lucélia, Fábio Jr., Denise Bandeira e Jorge Fernando.
Tinha o telefone da casa de Chico, e a primeira coisa que fiz no Rio, logo depois de instalar-me num hotelzinho de quinta categoria próximo à praça Tiradentes, foi ligar para ele. Em vão: um problema no cabeamento na região da Gávea tornava impossível falar com o grande Chico Buarque de Holanda por telefone. A sorte – embora mais tarde veremos que isso de útil nada me trouxe – foi ter conseguido encontrar com ele na porta do Teatro Ginástico, onde Marieta Severo estrelava a peça Ópera do Malandro.
Chico até se dispôs a uma entrevista, desde que encaixada entre as gravações do especial de final de ano que estava sendo produzido para a Bandeirantes. Pediu que eu lhe telefonasse para marcar. Seu telefone, porém, continuava impraticável.
Paralelamente, consegui o telefone de Lucélia na sala de imprensa em frente à Globo, com uma repórter que cobria a emissora. A atriz morava numa cobertura da avenida Almirante Saddock de Sá, perto da lagoa Rodrigo de Freitas. Era casada com o maestro John Neschling.
Lucélia foi um amor: atenciosa, depois de meia hora de entrevista, quis que o repórter a acompanhasse a uma apresentação sei lá de quem no Teatro Tablado. Sem um puto no bolso, o repórter deu um jeito de recusar, com o apoio tácito de Neschling – que, apesar da tentativa de mostrar-se simpático, nunca escondeu que não gostaria que o relacionamento se estendesse além daqueles 30 minutos de entrevista.
Aliás, esses 30 minutos com Lucélia Santos acabaram sendo meu único resultado vitorioso no Rio. Durante a semana que passei lá – ora almoçando, ora jantando, ora sem um nem outro (teve dia que passei com dois sonhos de padaria) – fui todos os dias à porta do Teatro Ginástico, na tentativa de encontrar-me novamente com Chico, já que o telefone só dava ocupado. E o que eu consegui, entretanto, foi somente encher o saco de Marieta Severo.
Todos os dias, quando ela estacionava sua Brasília azul – com o para-lama dianteiro esquerdo ralado e o para-choque sem a polaina – no subsolo do teatro, eu abria a porta do carro e ela descia com um sorridente, mas nem por isso menos incisivo, “você de novo?” Vale lembrar que Marieta mostrou-se bastante acessível e compreensiva e se dispôs a servir de ponte entre o entrevistador e o entrevistado. Até que ponto essa disposição foi sincera, não sei. Só sei que estou até hoje esperando pela entrevista.
Na volta a São Paulo, meu dinheiro foi suficiente para a passagem Rio-SP, para o ônibus da rodoviária até minha casa em Pirituba e para um croquete de carne numa das paradas do velho Cometão.
Minha permanência no Rio durante uma semana era tão improvável que fiquei sabendo, ao chegar, que a família tinha ligado para a polícia carioca, na tentativa de localizar meu cadáver. Fui recebido em casa com um monte de impropérios e de caras amarradas. A bronca pela porra-louquice da viagem era maior do que a alegria de me rever inteiro.
Mas houve a recompensa: a entrevista com Lucélia Santos foi publicada na edição de janeiro da Pop e rendeu um troquinho salvador.
(Aliás, quase salvador: para sobreviver um mês inteiro antes do próximo salário, tive de vender um violão clássico Del Vecchio e o disco The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd)