Nos bares da vida

Li dia desses que o Harry’s Bar, fundado em 1911 e até hoje cultuado por seus coquetéis e seu piano, era o “lugar preferido de Ernest Hemingway” em Paris. Não haveria referência cultural mais significativa, claro! E então, num rasgo de modéstia, fiquei imaginando se, nos vinte anos em que marquei ponto nos vários bares da vida, teria conseguido emprestar a algum deles qualquer espécie de referência turístico-cultural.

 “Está vendo aquele boteco pé-sujo ali? Pois é, Marco Zanfra tomava de dez a doze cervejas naquele balcão, todos os dias…”, diria um orgulhoso morador a um embevecido turista. Por que não?

Certamente esse bar não seria em Paris e certamente não sou Hemingway, mas será que nenhuma lembrança deixarei, depois de vinte anos de frequência diária? Ainda que seja um autor com uns poucos livros publicados e pouquíssimos vendidos, não haveria nada que diferenciasse minha presença das centenas de milhares de bêbados que babaram nesses balcões durante esses anos todos?

Pensando bem, acho que não. E começo meu pensamento negativo por um exemplo que morreu como ponto de referência: o bar que mais frequentei na vida, na alameda Barão de Limeira, foi transformado em estacionamento. E seus balcões, o tilintar de copos e o cheiro de gordura das porções de calabresa ficaram apenas na memória – ainda que às vezes numa memória obliterada pelos excessos alcoólicos.

O bar que poderia ser apontado como o “Harry’s do Zanfra” não existe mais.
Frequentei esse bar, o Miranda – ou Bar do Mané, Bar do Luiz, Bar do Juvenal ou ainda, oficialmente, Bar e Lanches Para Você – durante os nove anos em que trabalhei na Folha de S. Paulo. Batia o ponto na entrada e na saída, não raras vezes no meio do expediente, e, também, não raras vezes nos fins de semanas, ou mesmo depois de ter saído do jornal.

Era uma referência para mim – e eu lamento não poder ter sido uma referência para eles, como Hemingway o foi para o Harry’s – além de um ponto de encontro. Se havia, pois, um botequim que podia ser associado a mim, era sem dúvida aquele.
Hoje, no entanto, dois ingredientes básicos dessa mistura – o Miranda e meu convívio com a bebida – deixaram de existir. Por isso, não vai ser nada fácil – se isso ainda não foi feito – associar atualmente minha imagem a bares.
Quem quiser apontar o “lugar preferido de Marco Zanfra”, hoje, vai ter de se contentar em mostrar minha própria cama.

Em tempo: Na imagem, o Harry’s e sua boa aparência aos 114 anos.

Marco Antonio Zanfra

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