– Adivinha quantos anos eu tenho!
Putz, me pegou! De calças curtas! Se é algo para o qual não tenho qualquer talento é adivinhar a idade de alguém! Principalmente quando esse alguém é quem me pede para adivinhar! Pior ainda quando esse alguém é uma senhorinha!
Fatalmente, essa pessoa vai ter menos idade do que aparenta! Ou, ao contrário, terá mais idade do que sua aparência insinua, e se orgulha de parecer mais nova do que a idade real! Eu, com certeza, vou acabar dando uma resposta errada em qualquer das circunstâncias!
Nunca sei calcular quantos anos alguém tem por sua aparência! Tenho sorte de saber minha própria idade, caso contrário erraria feio se me avaliasse pelo espelho! Claro que o espelho, acostumado a nos mostrar ao contrário, mente um bocado… e isso, acumpliciado à proverbial capacidade que desenvolvemos de acarinhar nossa vaidade, sempre vai nos fazer parecer mais jovens! Não soubesse quantos anos tenho, não me arriscaria a adivinhar!
– Outro dia, me perguntaram se eu sabia que essa fila era preferencial!
Ah, esqueci de dizer que estávamos na fila do caixa do supermercado. Preferencial, claro! Achei que ficaria feio desmenti-la e não falei nada, apenas sorri, mas sua aparência certamente não estava a ponto de pensarem que ela não caberia na fila preferencial.
Pensei em contar que uma vez, aos vinte anos, fui barrado na entrada do teatro, porque o porteiro pensou que eu ainda fosse ‘de menor’, mas limitei-me a perguntar se a condição dela – ser mais jovem do que aparenta, ou aparentar mais idade do que tem – era genética.
– Acho que não! É apenas consequência do meu modo de encarar a vida…
A fila andou, nesse meio tempo. Os idosos na nossa frente talvez tivessem também um modo legal de encarar a vida, e estavam passando suas comprinhas sem muitos vacilos. Ela, que estava na minha frente, ainda demorou um pouquinho para ocupar o espaço deixado pelo idoso que estava na frente dela. Deu dois passinhos, virou para trás, como se esperasse uma resposta à pergunta que tinha feito no início de nosso papo.
Como não respondi, e continuei olhando para ela com cara de quem não ia responder, ela deu mais um passinho para frente, coisa de uns dez centímetros apenas, virou-se novamente para trás e soltou a revelação:
– Tenho setenta e seis!
Não pude evitar a surpresa: arregalei os olhos involuntariamente! Ela era daquelas que tinha mais idade do que aparentava! Como eu na porta do teatro! Pela aparência de seu rosto, eu teria dado sessenta e cinco, no máximo sessenta e seis! Teria errado por dez anos! E é por isso que evito adivinhar!
– Tenha um bom dia!
Ela terminou de passar suas comprinhas – iogurte natural, chocolate dietético e, vá lá, um pacote pequeno de batatas rufles – e saiu saltitante rumo ao estacionamento. Na verdade, não saiu exatamente saltitante, mas foi a impressão que tive após a revelação de sua idade: rumo aos oitenta e parecendo mais jovem que eu!
Para completar, para fazer frente ao sair saltitante dela, uma dorzinha incômoda praticamente travou meu joelho direito!