Em um desses aplicativos, Thread acho, o brasileiro em viagem à Alemanha para um congresso conta à esposa sobre o voo e a chegada àquele país. Ele saiu do Brasil com alguns franceses e alemães, seus colegas de trabalho, e agora de apartamento. As acomodações são boas, mas só há um banheiro. Após quase 15 horas de voo, ele imagina a dificuldade em se organizarem para o banho. Fica surpreso, quando seus amigos lhe dizem para ficar à vontade, pois eles iam dormir do jeito que chegaram.
A postagem, evidentemente, gerou inúmeras respostas e palpites sobre as questões de higiene de europeus e sul-americanos. Uma cidadã, que se disse portuguesa, radicada no Brasil, não curtiu muito a história e defendeu os conterrâneos. “Não é verdade que nós, europeus, não gostamos de tomar banho. Eu, por exemplo, tomo banho todos os dias”, alardeou.
Bisbilhoteiro que só eu mesmo, entrei no debate e aproveitei para contar de minha primeira viagem à França em 1994. Após uma semana de trabalho em Cannes, na Riviera Francesa, eu e minha primeira mulher fomos bater perna em Paris. Ficamos num hotel aconchegante, em Montmartre, pertinho do Moulin Rouge.
Era verão e, na volta do dia, a temperatura batia fácil os 40 graus. Em um dia, fomos ao Louvre, em outro a Versalhes, à Torre Eiffel, e assim a semana toda. Metrô, trem, ônibus e o sol de rachar mamona. Houve até um dia, em que minha Nikon, ainda com filmes de bobina, quebrou e tivemos que andar pelos subúrbios parisienses atrás de uma oficina de reparos.
O engraçado é que todas as tardes, ao voltarmos para o hotel, vermelhos e suados, o simpático português da recepção nos inquiria: “Já vão tomar banho?” O tom quase incriminatório da pergunta não deixava claro se ele estava preocupado com o consumo de água do estabelecimento ou se achava mesmo um absurdo aquele nosso hábito.
Em conformidade com a famosa lógica lusitana, a portuguesa voltou à carga: “Como ele sabia que vocês iam tomar banho, se a recepção ficava lá em baixo e vocês subiam para o quarto?” Nem respondi, achei melhor deixá-la na dúvida. Evidentemente, ele deveria saber, ao nos ver recompostos e arrumados, quando voltávamos à rua para o passeio noturno ou ao nosso “almojanta”.
Depois disso, voltei a Paris outras vezes, inclusive agora em maio de 2025. Fiquei num hotel vizinho da Gare du Nord e mais umas quatro estações de trem e metrô. Localização excelente, portanto, hotel idem, mas tinha um detalhe no banheiro. O espaço do vaso sanitário até que era razoável, mas o da ducha, era minúsculo.
Tenho 1m86 e peso uns 100 quilos. Para vocês terem uma ideia, eu entrava de frente pra parede e assim ficava até o fim do banho. Caso tentasse me virar, corria o sério risco de ser estuprado pelo registro do chuveiro. A impressão é de que o arquiteto desenhou a acomodação com um certo esmero, e deixou o box para o final. Para ele, um mísero detalhe.
Essa questão dos europeus e o banho me leva de volta às minhas aulas de história. Não a que nos contaram no fundamental e ginásio, mas a que aprendemos posteriormente. Era voz corrente em alguns países do lado de lá do Atlântico que o banho fazia mal à saúde. Acabava com as defesas naturais da pele. Assim, nas cortes europeias, o máximo que se permitiam os nobres era uma limpeza básica semanal com lenços umedecidos.
Quando os espanhóis chegaram à América Central, por exemplo, se depararam com as imponentes cidades maias, equipadas com saunas e duchas abertas ao público. O mesmo deve ter ocorrido no contato com os astecas. Imagine o horror dos cristãos “civilizados”, muitos deles representantes da nata da sociedade, diante daqueles pagãos com uma estranha mania de tomar banhos diários.
Aqui na América do Sul, também deve ter sido um choque. Não tínhamos, ao que se saiba, nenhum aglomerado urbano, mas os povos originais tinham à disposição centenas de rios, lagoas e cachoeiras, onde se banhavam praticamente o dia inteiro. Alguém é capaz de supor o que se passava na cabeça dos navegantes lusitanos, após semanas espremidos nas caravelas, sem direito a um banho de canequinha que fosse?
Tomar ou não tomar banho, pelo visto, chega a ser quase uma questão cultural, pelo menos, em nosso País. No entanto, há exceções. Quem nunca conheceu alguém não muito chegado a uma boa ducha, ainda mais durante os meses mais frios do ano? Por outro lado, é natural pensar que os europeus aqui radicados, como no caso da portuguesa citada acima, acabaram por assumir esse hábito saudável.
Acredito também que na Europa de hoje, com a evolução da ciência e medicina, o banho cotidiano tenha se tornado um hábito bastante comum. Pode ser. De minha parte, gosto sempre de lembrar a historinha de Napoleão. Ao regressar para casa, após meses nos campos de batalha, mandava à frente um estafeta. Na mensagem, pedia à sua Josefina que não tomasse banho para esperá-lo. Queria sentir o cheiro natural dela. Questão de gosto. Para quem enfrentou tantas batalhas, uma a mais não iria fazer nenhuma diferença…




