Minha mãe tinha um sistema definitivo para acabar com algum princípio de briga ou punir algum filho respondão ou malcriado: punha-o de castigo no banheiro.
Era o tipo de condenação autoexecutável: ao ouvir a sentença, o ‘réu’ dirigia-se por conta própria à clausura, sem necessidade de condução coercitiva. Mesmo porque algum tipo de rebeldia só iria contribuir para o agravamento da pena.
Mas por que o banheiro?
Por ser uma parte da casa usada normalmente de forma solitária e a portas fechadas, creio que o banheiro traz em si a essência da reclusão. Mandar um filho de castigo ao próprio quarto representaria implícito o aconchego da cama. No banheiro, não. Apesar de essencial, ele é inóspito. Ninguém gosta de passar ali mais do que o tempo necessário.
As sentenças da ‘juíza’ dona Anna não eram muito longas, todavia: coisa de vinte minutos, no máximo meia hora, de detenção. Ou seja, nada que pudéssemos denunciar ao SOS Criança como cárcere privado. No fundo, acho que ela era comedida na formulação das penas porque seria desaconselhável manter em desvio de função por muito tempo um cômodo como o banheiro. Principalmente numa casa onde só havia um banheiro.
Não me lembro, nesse tempo, porém, de nenhum ‘sursis’, nenhuma suspensão eventual de pena para que a clausura fosse devolvida à sua função original. Ou as pessoas controlavam suas necessidades em função da exigência temporária de uso do ambiente, ou minha mãe é que tinha uma escala de rodízio absolutamente infalível.
Não me lembro também – e aí pode ser uma traição de minha memória, após anos e anos dando conta de suas atribuições – de outra pessoa que não eu transpondo os umbrais da masmorra. Pode ser um bloqueio, mas não consigo visualizar minhas irmãs entrando no banheiro para outra finalidade que não uma atividade própria do banheiro. Embora hoje isso não faça mais diferença, tenho a impressão de que fui o único a frequentar o lugar como encarcerado.
Entre alguns vários cumprimentos de pena, eu me lembro de um especificamente, porque ocorreu na hora do almoço, porque eu tive como companheiro de cela um filhote de cachorro que tínhamos ganho havia pouco tempo e porque, salvo engano, foi minha última temporada de confinamento naquele ambiente.
Como era hora de almoço, levei para o banheiro o prato com a comida. E, como o filhote me olhasse com ar faminto, não tive dúvidas em distribuir arroz pelo chão para alimentá-lo. Juro que não o fiz por mal, como os detentos amotinados que queimam colchões ou destroem as próprias celas: eu apenas quis agradar a única companhia que tinha na solidão do claustro.
Como pena acessória, os leitores já devem ter subentendido, tive de limpar a carceragem. Mas jamais seria punido por deixar um cãozinho faminto! E talvez por causa desse episódio, senti durante meus tempos de repórter policial uma espécie de empatia com os presidiários que, das mais diversas maneiras, lutavam por um confinamento menos desumano!