Vi outro dia no Facebook, do nada, um vídeo tosco, em preto e branco, com uma cena de um seriado de quase sessenta anos atrás, que marcou minha pré-adolescência: Perdidos no Espaço.
A série estreou quando eu tinha dez anos e vi todos os episódios, sempre em preto e branco – porque, quando o programa ganhou cor, minha tevê não ganhou! Não consegui identificar o episódio do Face, que mostrava o robô e o Doutor Smith – a primeira essência de velhacaria que eu vim a conhecer – procurando algo ou alguém num planeta inóspito. Mas a cena serviu para que eu revivesse as peripécias da ‘lata de sardinha enferrujada’, que levantava suas anteninhas como um cão de guarda levanta as orelhas.
Na candura de meus dez anos, não entendia lhufas de robótica, mas sabia que o robô não podia ser um robô de verdade. Mesmo reconhecendo que em meados da década de 60 não havia tecnologia que fornecesse inteligência e livre-arbítrio a um autômato, julgava que aquela figura em forma de barril de chope era um amontoado de transistores e engrenagens que se movia por controle remoto. Inteligência artificial era algo a ser pensado sessenta anos depois.
Só muito tempo após – há dezesseis anos, para ser mais exato – fiquei sabendo que o robô era movido por um ser humano dentro dele. Só soube disso quando o ser humano que o movia, Bob May, morreu, em janeiro de 2009.
Foi uma surpresa para mim, na época, descobrir que os robôs também morrem. Não da forma como sucumbem hoje as engenhocas de alta tecnologia – por desgaste de processadores, softwares corrompidos, queima de microchips ou outra causa mortis mais complexa. Morrem simplesmente como morre um prosaico e frágil ser humano: com o coração parando de bater.
Dizem que Bob May foi escolhido para ser a alma do robô porque era o único no estúdio que cabia dentro da estrutura. Mas imagine o trabalho que dava para entrar e sair. Por essa dificuldade, fiquei sabendo que, nos intervalos das gravações, o ‘motor’ do robô continuava dentro dele, fumando seus cigarrinhos e dando a impressão, pela fumaça emanante, que o robô estava passando por uma das milhares de tentativas de sabotagem que enfrentou ao longo dos 83 capítulos da série.
Perdidos no Espaço esteve em cartaz até 1968. Naquele tempo, aos doze, eu fazia parte da missão, era tripulante do ‘Júpiter II’, ajudava a destruir monstros do espaço com as pistolas laser e era jogado de um lado para outro na nave colhida por tempestades cósmicas; hoje, se uso o controle remoto para aumentar o volume posso considerar essa como minha maior participação em qualquer enredo. Além disso, com a idade, meus limites de risco não me permitem mais enfrentar aventuras assim.
Por isso, recordar é o melhor – e mais seguro – desafio que ouso encarar.