Viro a esquina, paro no semáforo. Não é o ladrão, mas a dúvida que me assalta! Me rendo, entrego tudo e, quando penso que ela se foi em definitivo, me deixando livre de vez, eis que surge no outro quarteirão, ainda mais forte, mais ardilosa, mais insinuante. Não me larga essa dúvida, essa marca indelével do ser humano, capaz de me pôr em sobressalto, em desassossego, em dúvida 24 horas ao dia! Será?
Sábio esse Deus que colocou a dúvida na cabeça do homem, afinal, há coisa pior do que a certeza absoluta. No excelente filme “Conclave”, antes da votação para eleger o próximo papa, o decano Lawrence (Ralph Fiennes) reforça a seus pares: “Desejo que o cardeal que vença não tenha certeza de nada. Porque quem tem absoluta certeza está mais próximo dos grandes erros, a dúvida nos deixa em alerta para acertar mais.”
Dizem que só a ciência é exata e não deixa a menor dúvida. Nada a ver conosco, somos homens, de carne e osso, não uma equação ou fórmula química. Portanto, sujeito a todo tipo de dúvidas! Adão foi o primeiro a ficar em dúvida: comer ou não o fruto que Eva lhe oferecia insidiosa. Na dúvida, comeu. Foi expulso do Paraíso, cheio de culpas, carregado de dúvidas.
A cabeça dele virou um enorme ponto de interrogação. Confiar ou não na mulher que o colocara nessa enrascada? “Se pisou hoje, amanhã pode muito bem pisar fora da linha, de novo!” Herdamos essa dúvida. Nunca mais o sossego, nunca um sono tranquilo, nunca mais a cabeça relaxada sobre o travesseiro. Sempre o risco de uma chifrada por trás ou, quem sabe, uma fronha furada…
Aprendemos a conviver com a dúvida, uma convivência pra lá de difícil. Dormimos, acordamos, almoçamos, jantamos com ela. Um grude só. Há quem diga, sabiamente, que é melhor ter um revólver apontado para a cabeça do que uma dúvida. O perigo maior da arma é o disparo rápido e certeiro, ponto final; o da dúvida, bem, o da dúvida é a morte lenta. Aquela que nos acompanha vida afora, muitas vezes, além túmulo. Será que esse filho é meu? Será que ela ou ele me trai? Um dia me traiu? Será que ela ou ele me quer? Será, será?
Não vi ainda nenhuma pesquisa, aquelas dos sites de comportamento, do tipo “quem tem mais dúvidas o homem ou a mulher?” Imagino que o homem ganha fácil. Não me perguntem por que, tenho lá minhas dúvidas! (olha ela aí!). Imagino que o homem, mais racional, ao se expor mais, é presa fácil da dúvida. Já a mulher, no embalo da emoção, talvez acredite mais, tenha mais convicções, certezas. Mero palpite. Inda mais que hoje em dia já andam fabricando mulheres dominadas pela razão e homens supersensíveis, emoção pura, à flor da pele. Fica a dúvida.
Quando pequeno tinha muitas dúvidas, felizmente as tenho até hoje. De onde viemos, para onde vamos? Quantas estrelas têm no céu? Há vida inteligente além da encontrada neste planetinha ridículo onde vivemos? Pensava (vejam que bobagem) que morrer seria até interessante, pois do outro lado, tudo estaria esclarecido. Pensava… tenho dúvidas sobre esse outro lado, a cada dia, aumenta o meu cabedal de dúvidas.
“Dúvida é o princípio da sabedoria”, disse um dia Aristóteles. Desculpem a empáfia, mas assim por dizer, poderia me considerar o maior sábio do mundo, o senhor de todas as dúvidas. Só que não passo disso. O filósofo também teria dito: “O ignorante afirma, o sábio duvida, o sensato reflete.” Infelizmente, nesse caso, muitas vezes nos comportamos como o famoso três em um. Ignorantes sempre, sábios às vezes, sensatos quase nunca.
Embaralhamos tudo. Somos obrigados a concordar com o poeta Charles Bukowski, que afirmou: “O problema do mundo de hoje é que as pessoas inteligentes estão cheias de dúvidas e as pessoas idiotas estão cheias de certezas.” Sábio esse sujeito, que tomava todas, era maníaco por televisão e morreu aos 73 anos, em 1994. De leucemia, não de cachaça.
Ando ainda à procura das respostas; dizem que em algum lugar deste mundo mora um ser que as tem de todos os tamanhos e formatos. Duvido que ele exista. E se existir, a dúvida maior é onde está? Quando? Dizem que seu nome é Talvez… Vamos em frente, mergulhamos de cabeça, arriscamos tudo? Na dúvida, ultrapasse, trapaceie… Talvez, muito prazer!
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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Oh, dúvida insolúvel: Capitu traiu ou não traiu Bentinho?