Vocês se lembram de uma cena do filme ‘Ghost’, quando o casal é assaltado, e Patrick Swayze sai correndo atrás do meliante, não alcança, e depois volta esbaforido e encontra a si próprio mortinho no chão, cercado por curiosos e pelas lágrimas da Demi Moore? Inesquecível, a cena sustenta a tese de que você pode morrer e não se dar conta disso, e continuar fazendo coisas que faria em vida, até constatar sua própria morte.
Há um outro filme, ou série, cujo nome não me lembro, estrelado por Neil Patrick Harris (‘How I Met Your Mother’), cujo enredo também se baseia nessa hipótese: um grupo de amigos sofre um acidente de automóvel – o carro despenca da estrada e cai num lago – e continua levando a vida (?) naturalmente, até ser obrigado a voltar ao local do acidente e ver seus próprios corpos dentro do carro.
Pois me senti como eles na manhã deste domingo, a caminho do supermercado: ou morri e não soube, ou me tornei invisível (e também não soube).
Baseio minhas conclusões no fato de ter sido ignorado pelas pessoas na rua – uma situação absurda, já que na região perto de casa todos se cumprimentam, mesmo sem se conhecerem. Fui ignorado por pelo menos seis transeuntes com quem cruzei, sequencialmente. E isso não aconteceria se eu estivesse vivo. Ou visível a olho nu.
A primeira foi uma senhorinha emperiquitada, embora vestida em trajes litorâneos, que ignorou impiedosamente meu bom dia; depois foi um homem de bicicleta, que olhava indiferente para a roda da frente de sua magrela, aparentemente contando os gominhos do pneu; em seguida, alguns metros à frente, um homem grande, forte e quase gordo preferiu observar alguma coisa no meio-fio do outro lado da rua a olhar para mim; a seguir, fui ignorado por outra mulher, que parecia ruminar algum pensamento ruim, e por duas moças, uma delas empurrando uma bicicleta.
Já estava pensando na possibilidade de ter morrido, sem perceber, ao fechar o portão de casa, e que iria encontrar meu corpo estendido na calçada quando voltasse, quando uma senhora de cabelos branquíssimos soltou um jovial bom dia ao passar por mim e me devolveu à vida (e à fé na humanidade; nem tudo estava perdido, pois).
Confesso que, ao lado da constatação de que fora vítima apenas da falta de civilidade das pessoas com quem cruzei antes de minha redentora de cabelos brancos, vi frustrado o projeto que já estava alimentando de, por ser ou estar invisível, ou morto, passar no supermercado e sair sem pagar pelas compras.
Se falo bom dia e não respondem, insisto, até a pessoa responder… 🤣