Aquele buraco não deveria estar ali. Ele apareceu de repente, sorrateiro, covardemente. Sorveu meu pé direito, fez Sul o meu Norte e me girou forte para a esquerda, como numa juvenil opção de quem busca salvar o mundo. Qual um Nureyev louco, levitei. Abri o compasso, torci os ossos e tentei uma última manobra, radical. Como um raio, me veio à cabeça uma frase inútil: os gatos caem sempre de pé. Não sou gato. E antes de beijar a lona, que era de pedra portuguesa, com certeza, ensaiei dois ou três passos de frevo com meu guarda-chuva chinês em noite de inverno lisboeta. Terminado o espetáculo, só o chão me foi solidário. Me acolheu por inteiro, ainda que de lado. Na plateia, nenhum aplauso, nenhuma risada. Só a frieza da literalidade lusa. Afinal, um tombo é um tombo, ainda que Tombo possa ser uma torre. Caído, estropiado, a calca rasgada e a perna doendo como saudade de amor novo, só me restou uma inglória retirada. A cabeça baixa, coisa e tal…Ah! Portugal, porque me tratas tão mal?
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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