Tenho dois hobbies de que não abro mão: o futebol semanal com os amigos e as corridas de rua. Nunca fui um craque, mas bato minha bolinha desde a infância. Teimoso que sou, ainda hoje, quase um septuagenário, estou na ativa, quer dizer, estava. Por conta de uma contusão, ando afastado dos gramados há mais de dois meses. Sábado de manhã, quase no final do jogo, que não valia nada (diga-se de passagem), cismo de dividir uma bola no meio do campo. Travo com a esquerda, mas a grama sintética, escorregadia por causa da garoa, faz com minha perna direita deslize. Abro o compasso, quase num espacato, e ‘ganho’ uma lesão de 14 centímetros no músculo posterior da coxa.
Entre uma e outra sessão de fisioterapia, conto os dias para o retorno às quadras, e claro, às minhas corridas. Agora, no estado em que me encontro, mal e mal, consigo dar umas caminhadas na praia. Peguei o hábito de correr há uns 30, 40 anos. Em São Paulo, vizinho do Ibirapuera, corria no parque quase todos os dias. Nos finais de semana, pelo menos uma vez por mês, participava de corridas de ruas, daqueles em que você paga uma taxa, corre e traz pra casa a camiseta, a medalha e um monte de “brindes” oferecidos pelos patrocinadores do evento.
Invejo (e tenho como inspiração) o doutor Drauzio Varella, que começou a correr aos 50 anos e hoje, perto dos 80, mantém o seu hobby. Escreveu até um livro, sobre as maratonas de que participou ao redor do mundo. Minhas aventuras como corredor não rendem um livro, evidentemente, quando muito, esta modesta crônica. Nunca tive pretensão de correr uma maratona, no máximo, uma meia (21 km) como fiz em 2013, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Corremos os 21 quilômetros por entre os morros e vinhedos da região, e, no final, fomos recebidos com uma taça de espumante. Nada mau, né?
Pouco antes da pandemia, estivemos em Belo Horizonte, para a Volta da Pampulha. Dezoito quilômetros ao redor da lagoa, um belo cenário, num percurso bem plano, com início e chegada em frente do Mineirão. Meses antes, em pleno inverno, fizemos uma prova de 12 quilômetros na Serra do Japi, em Jundiaí (SP). Largada às sete da manhã, com os termômetros em 6 graus, sensação térmica de três ou quatro.
A coisa da corrida funciona mais ou menos assim: nos primeiros minutos, pouco antes do primeiro quilômetro, bate aquele desânimo (o que eu estou fazendo aqui?), aquela vontade de largar mão de tudo e cair fora. Não demora muito, o corpo esquenta, a endorfina sobe, o metabolismo acelera e bate aquela sensação de bem-estar, que só quem está lá pode traduzir.
Esta mania de correr carreguei em algumas de minhas viagens internacionais. Posso dizer que o fiz em Tóquio, Kioto, Paris, Cannes, Nuremberg (Alemanha), Estocolmo, Buenos Aires, Montevideo, Pucón (Chile), Istambul, Chicago e Aruba, que eu me lembre. Na capital japonesa, ficamos hospedados num hotel da rede Sheraton, na região central da cidade. Saíamos para correr pela manhã, seguindo as marcações feitas ao longo das avenidas e praças – eles são muito organizados –, mas com todo cuidado. O risco era nos perdermos na volta, pois nem todos os passantes falavam sequer o inglês.
Já em Kioto, até então símbolo da preservação ambiental, após o famoso Protocolo de 1997, as corridas se davam ao longo do rio Kamo, que a corta de cima abaixo. Não deixa de ser um contraste curioso, o bucolismo do rio, com seus peixes e pescadores à margem, e os inúmeros templos da cidade, diante da presença ameaçadora da metropolitana Osaka, a apenas alguns quilômetros dali. Por falar em rio, correr às margens do Pegnitz, que atravessa a cidade alemã de Nurenberg, é como um sonho ou uma volta no tempo. Os gramados e os bosques bem preservados abrigam diversas espécies da flora e fauna local. Dizem que há até ursos por lá, não vi nenhum. Se os visse daria um abraço neles.
Enfim, correr é sempre bom, independentemente dos motivos e objetivos de cada um. Tipo da atividade esportiva que se pode praticar sozinho e não pesa no bolso. Bastam um tênis (se não, vai descalço mesmo) e um calção. Do resto, a natureza se encarrega…
Manoel Dorneles
Contando História
O que o tempo altera e vira história
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