Algumas pessoas parecem jamais convencer-se de que são finitas. Não se sentem ao alcance do descanso final. Não abandonam suas missões nem quando o corpo físico já não responde mais com a mesmo desempenho de antes. A morte? Ora, a morte… Ela que espere a sua vez!
Pensei nisso quando soube da partida da primatóloga Jane Goodall. Como presumivelmente qualquer mulher de 91 anos, estaria ela sentada numa cadeira de balanço, tricotando sapatinhos para os bisnetos? Não! Ela estava cumprindo pelos Estados Unidos roteiros de palestras sobre os conhecimentos que adquiriu depois de décadas de amor aos chimpanzés. Incansável. O coração sempre pulsante na sede de semear o conhecimento.
Quando William Bonner anunciou que ela havia morrido ‘de causas naturais’, reagi: não morre de causas naturais quem não quer morrer! A naturalidade é algo intrínseco. Só morre de causas naturais quem acha natural morrer.
Já pensei nisso, também, quando olhei no espelho, sem censura ou restrições, minha própria finitude. Estaria eu pronto a aceitá-la? Ou, como Jane Goodall, prolongaria meus escritos, como um escritor das mil e uma noites, sempre inventando uma história nova, para driblar o que poderia ser considerado o fim de minha missão?
A gente tem sempre várias missões a cumprir, prosaicas ou complexas, mas pode ser surpreendido pelo fim da jornada antes de cumpri-las. Como alguém que precisa escovar os dentes, mas não tem tempo sequer de espalhar a pasta sobre as cerdas da escova. Ou como eu, em teoria, que tivesse me comprometido a trocar o chuveiro na casa da filha e partisse antes disso. Quanto tempo e lágrimas minha família gastaria para perceber que eu não estava mais lá para fazer o que eles se acostumaram a esperar de mim?
Acho que muita gente quer ser como Jane Goodall. Eu inclusive. E vai empurrando o quanto pode o fim para mais longe. Menos meu sogro, eu acho. Que pareceu desistir de suas missões quando ficou viúvo, há três anos. E que aparentemente desistiu de viver quando se entrevou numa cama, há dois anos, e se tornou dependente total de cuidados.
E que, aparentemente, conseguiu o que queria quando se foi, quinta-feira, 2 de outubro. Mansamente, como sempre tinha vivido.