Ninguém nasce achando que vai viver para sempre. Ninguém sai da maternidade, passa no guichê e pega seu certificado de vida eterna. O máximo que se consegue é um bônus, que lhe garante alguns anos a mais que alguns outros. Mas, desde o começo, todos sabemos que um dia, mais cedo ou mais tarde, isso acaba, e vamo-nos da face da Terra para sabe-se lá onde.
Por que, então, a morte dói tanto? Se sabemos, desde pequenos, que nossa vida tem começo, meio e fim, como uma fotonovela qualquer, por que sofremos tanto com a notícia ou a proximidade do fim? Por que quando a morte deixa de ser uma abstração e se torna algo real, palpável, a nos espreitar com seus olhos opacos, nos rendemos ao desespero? Por que sofremos tanto com a perda de alguém que, sabíamos, nos deixaria uma hora ou outra, como nos deixarão todos enquanto nós não os deixarmos?
Tentei, mas percebi que não adianta buscar na filosofia uma explicação, porque os filósofos ficam ocupando-se de quem vai, e não dão a mínima para quem fica! E, além de tudo, parecem mostrar-se essencialmente favoráveis à finitude! Schopenhauer, por exemplo, tem a morte como pedra fundamental da filosofia, quiçá musa inspiradora!
E Montaigne:
“Ora, essa morte que alguns chamam de a mais horrível das coisas horríveis, quem não sabe que outros a denominam o único porto contra os tormentos desta vida, o soberano bem da natureza, o único esteio de nossa liberdade, e receita comum e imediata contra todos os males? E enquanto alguns a esperam trêmulos e apavorados, outros suportam-na mais facilmente que a vida.”
Pois bem: se a morte é boa, definitivamente é boa pra eles e ‘pras nega’ deles! Para nós, não! Para nós, dói! Quando a gente sabe que vai perder alguém próximo essa dor se antecipa, e a gente sofre duas vezes, ou mais. E não adianta aquele papo de que a pessoa vai para um lugar melhor! Lugar melhor é o cacete! Não existe lugar melhor do que do nosso lado!
A única explicação lógica é que o ser humano se apega à vida como se apenas a dos outros fosse finita! Nós, os seres humanos, nos apegamos a tudo, aliás! Se uma velha calça desbotada se desfaz em farrapos, nós a transformamos numa bermuda ou num pano de chão! E a velha calça pode nem ir exatamente para um lugar melhor, mas pelo menos continuará fazendo parte do nosso mundo físico! No fundo, o que nós desejamos é que todas as nossas ‘calças velhas e desbotadas’ estejam conosco até o final dos tempos, quando, segundo Epicuro, nossos átomos se desarticulam e nós deixamos de ter consciência ou sentidos.
O ideal, pois, na opinião deste ‘filósofo da quarentena’ que vos escreve, seria que todas as pessoas que nos são caras ficassem conosco até que um ‘gran finale’ apoteótico nos levasse juntos, sem consciência ou sentidos, sem choro nem vela, para um buraco qualquer nessa imensidão conhecida e desconhecida do universo! Que ninguém fique para sofrer pela ausência dos que se foram!