Esta pandemia às vezes nos dá a impressão de estarmos vivendo num postulado filosófico de Dilma Rousseff: “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta.”
Ou seja, não sabemos até quando ficaremos em quarentena – se pensar bem, não sabemos nem desde quando estamos – e, portanto, não poderemos sequer estabelecer uma contagem regressiva, para comemorar seu fim. “Estamos contando os dias…” Sim, mas o limite está aberto, e nada impede que tenhamos de dobrá-lo quando atingirmos esse limite, já disse Dilma.
Sei que o que impede que nossa aflição se torne incontrolável é a certeza de que estamos fazendo a coisa certa, não saindo de casa. Não posso dimensionar a faixa etária de todos os leitores, mas creio que a maior parte de meus amigos frequente o chamado grupo de risco, principalmente pela idade. Nenhum de nós gostaria de ser personagem de uma eventual ‘escolha de Sofia’ num sistema de saúde colapsado.
Especialmente porque, nessa escolha, seremos preteridos para jovens que, até prova em contrário, são imortais e têm histórico de atleta. Não se cuidam como nós. Acham que estamos enfrentando apenas uma gripezinha. Além disso, acham que brasileiro não pega nada, nem mergulhando no esgoto, e que essa ‘cuestão’ do vírus parece que está indo embora…
Como somos um ‘cadinho de raças’, difícil definir a origem étnica dessa displicência. Ou irresponsabilidade.
Em seu blog ‘Vianices’ (https://vianices.wordpress.com), o jornalista e dramaturgo Mario Viana nos brinda com sua esperança de que dias melhores virão. Nos ensina que músculos faciais usar para sorrir e como acionar os mecanismos dos membros superiores para aplicar um abraço, no dia em que a quarentena acabar. Ensina ainda como ensaiar diante do espelho o que dizer num reencontro.
Nas entrelinhas, entretanto, ele também deixa em aberto quando será esse reencontro.
Porque ninguém sabe, nem mesmo quem teoricamente deveria saber.
Alguém calcula quando, afinal, chegaremos ao pico de contaminação? E, depois disso, como deverá ser nosso comportamento? Voltaremos a nos relacionar como antes, sorrindo e abraçando como sugere Mario Viana? Conseguimos ou conseguiremos achatar a tal de curva epidêmica? Até agora, pelo que sei, a única coisa que conseguimos achatar foi a bunda, de tanto que permanecemos sentados diante da tevê…
Mas, enquanto aguardamos respostas – e paralelamente somos informados de que, mesmo nos lugares em que aparentemente a ‘cuestão’ do vírus foi embora, ele acabou reaparecendo – continuamos à espreita, trancados. Andando na ponta dos pés para não correr o risco de pisar num vírus que possa ter caído de um caminhão de mudanças; respirando devagar, para não aspirar uma contaminação; e torcendo para que a escolha de Sofia se restrinja a um filme estrelado pela Meryl Streep.
Mas alguém sabe até quando?