Passa da hora do almoço. Deu praia nesta manhã de sábado, mas agora nuvens escuras rondam o Rio de Janeiro. Deve chover daqui a pouco. O bar do português da orla ferve. Augusto, um pouco mais acelerado que os demais moradores da cidade, entra no recinto aclamado pela turma.
Já cumpriu suas funções de atleta de fim de semana e marido exemplar que lhe tomaram toda a manhã. Correu na praia logo cedinho, fez umas barras e levantou peso ao lado do quiosque do Canal 9.
A caminho de casa, passou pela padaria; levou leite, pão e manteiga para o café. Como faltassem alguns itens na dispensa, recebeu da mulher, ainda semiacordada na cama, uma lista de compras do supermercado. Nem precisa dizer que foi umas três vezes, pois ela sempre esquecia algum produto…
Finda mais essa tarefa estressante, apanhou o filho pequeno e o levou para umas voltas de bicicleta no parque vizinho. Ao retornar, ainda achou tempo para uma faxina no quintal da casa. Ufa! Quantas vezes, entre idas e vindas, enquanto o sol rachava lá fora, não suspirou por um chopinho gelado?
Agora ele está ali sentado na cadeira de sempre, completamente fora de sintonia em relação aos demais frequentadores. Alguém já reparou como é complicado chegar a um local, uma festa, um bar, onde todo mundo esteve bebendo por horas, e só você está com o tanque vazio?
Demora bem alguns goles para pegar o ritmo. O primeiro chope desceu macio; Augusto até fechou os olhos para saboreá-lo. O segundo enveredou pelo mesmo caminho; o terceiro então, nem se fala… A sessão de piadas corre solta. Muitas sobre o governo, sobre o Vasco, eterno vice, sobre o Flamengo e suas pendências policiais. “Sabe a diferença entre o Ibope e o Bope?”, indaga alguém, e ele mesmo responde: “O primeiro avalia quantos flamenguistas existem, o segundo contribui para reduzir esse número”.
Augusto ri leve e solto, feito um pinto no lixo. Detalhe: enquanto ainda sóbrio, desligou o celular. Vai que a “patroa” lembra de mais algum produto para pegar no mercado…
Entre uma gargalhada e outra, uma rodada de chope, uma sardinha na brasa, Augusto esquece da vida. Tão entretido está que mal sente o cutucão do garçom a chamá-lo para atender o telefone ao lado da caixa do bar.
-Telefone pra mim?
– É, sua mulher…
-Diz que não estou, pô, acho que mereço um pouco de sossego.
– Acho bom o senhor atender, ela diz que é urgente!
A contragosto, ele caminha até o balcão, onde o português lhe passa o telefone a resmungar, como é de seu feitio, “Vê se não demora…”
– Fala, você não me deixa em paz mesmo – diz um Augusto, ao telefone, visivelmente irritado.
– A Zizzoca fugiu!
– O quê?
– É isso mesmo que você ouviu, a Zizzoca desapareceu, escafedeu-se!
– Como aconteceu isso?
– Sei lá, foi num piscar de olhos.
Augusto não sabe se ri, se chora, se xinga, se… Por uns instantes, para, pensa, tenta escolher bem as palavras. Afinal, eles não estão falando de nenhuma cachorrinha, gata, calopsita ou de qualquer outro animal mais arisco. Zizzoca (assim mesmo, com dois zes) é apenas a tartaruga de estimação da casa. “Como ela pode sumir assim num piscar de olhos”, resmunga…, enquanto diz alguma coisa como “depois eu vejo isso” e desliga o telefone.
Caminha até a mesa, com certeza de que se revelar seu “drama” doméstico vai virar a piada do dia, mas não tem alternativa, diante da curiosidade geral. Virou mesmo.
Atualmente, ele já não vive mais com a “vigia” da tartaruga – separou-se e mudou-se para São Paulo -, mas o desaparecimento do bichinho ainda rende boas risadas, quando encontra os velhos amigos.
Em tempo: a “veloz” Zizzoca foi encontrada três dias depois, atrás do armário da lavanderia…