Aprendi com meu cachorro que dormitar durante uma ou duas horas depois do almoço é uma indispensável e revigorante prática! Você repõe as energias gastas no primeiro terço do dia e carrega as baterias para o terço final, que ninguém é de ferro. É lógico que você acorda um pouco estremunhado, mas esse é um efeito colateral de somenos importância.
Claro que este é um hábito recente: não poderia adotá-lo enquanto exercia minha atribulada vida profissional, não tinha esse tempo ocioso só para mim e – por último, mas não menos importante – não tinha ainda o cachorro para me fazer companhia.
O tempo passou, a aposentadoria chegou – a idade também, o cachorro idem – e me vi cultivando um hábito que lamento não ter descoberto antes. Poderia ter nascido num país que adota a saudável ‘siesta’ depois do almoço, e estaria ‘siestando’ há 67 anos. Antes tarde do que nunca, porém.
Mas – e sempre há um mas – vi-me novamente impactado pela síndrome de morar onde as pessoas tiram férias. E quem sabe o que é receber hóspedes em casa sabe que não dá para dormir depois do almoço com a casa cheia. Mesmo o cachorro, muito mais permeável que eu ao prazer do soninho, foi obrigado a abdicar de seus minutos de paz.
Fazia quatro anos que não recebíamos hóspedes. E eles vieram de uma vez em sete. Três deles mocinhas adolescentes, daquele tipo que se espalha pelos quatro cantos com um celular na mão e um smartphone na cabeça. Não posso dizer que não é honroso e prazeroso receber visitas, mas se há uma coisa que não sobrevive às visitas, mesmo considerando-se a honra e o prazer de recebê-las, é a rotina. Principalmente a rotina de um idoso aposentado que costuma dormir depois do almoço.
Você se sente na obrigação de adaptar-se aos hóspedes, e não o contrário. Seu banheiro não é mais seu banheiro, porque as mocinhas adolescentes ocupam seu espelho um bom tempo, produzindo fotos para publicar em alguma rede social. Seu varal não é mais seu, porque fica cheio de toalhas, cangas e maiôs dos hóspedes. E a comidinha simples que você preparava para dois tem de ser multiplicada por cinco, respeitando-se, é claro, as restrições alimentares de cada um.
Sua vida se torna um ponto fora da curva, e só depois que os hóspedes se forem é que você consegue retomar a órbita original. Dormir depois do almoço pode ser uma prática que demora um pouco mais para ser reassumida, porque qualquer varrida em sua vida levanta uma poeira nem sempre rápida para assentar. Só tenho certeza de que, quando eu conseguir voltar, o cachorro vai estar lá, ressonando, à minha espera.