Essa ideia de livrarem os candidatos a motorista de passarem por uma autoescola – ou Centro de Formação de Condutores – durante o processo de habilitação não é coisa nova. Em outubro de 1980 – há 45 anos, pois – essa facilidade tinha acabado de ser implementada e eu, repórter da Folha, fui incumbido pelo chefe Adílson Laranjeira a experimentar a novidade e descobrir se haveria alguma espécie de boicote por parte dos funcionários do Detran aos que foram chamados, na burocracia do órgão, de ‘particulares’.
Eu já era habilitado, mas, segundo o jurídico do jornal, não haveria problema legal em buscar uma segunda habilitação, se não houvesse um documento formal do Detran, assinado por mim, garantindo estar tirando minha primeira CNH.
Passei por todo o processo sob o acompanhamento de uma funcionária chamada Minerva Maluf, que apregoava ser “prima do homem” e que me recebeu pela primeira vez com um carinhoso “pronto, particular, mais um para incomodar!” Apesar dessa recepção emblemática, não houve qualquer problema entre nós dois durante minha jornada rumo à carteira.
Passei pela prova escrita e pelo exame médico. Marcaram a prova prática, que deveria ser feita com um veículo em meu nome e conduzido por um parente habilitado. O carro, um Chevette 78, tinha sido meu, mas fora repassado à saudosa Irene Solano Vianna e ainda não transferido; o parente habilitado era o repórter Luiz Padovani, elevado à categoria de ‘primo’ do habilitando. Não foi checado nem se o carro era meu nem se o Padô era meu primo – aliás, nem se ele era habilitado.
A ideia era escrever uma grande matéria em primeira pessoa, mas algo desmontou o roteiro: o também saudoso Iacim Aluane, que dividia seus dias entre as atividades de noticiarista da Agência Folhas e de despachante no Detran, me viu no órgão de trânsito retirando a nova carteira e perguntou à chefia o que eu estava fazendo lá. Havia o risco de ele denunciar o esquema – já que era ‘íntimo’ de todo o departamento – e por isso Adílson preferiu não se arriscar.
Como eu morava perto da Folha, na rua Apa, ele mandou um contínuo me chamar para antecipar a matéria. O coitado do garoto começou a subir rapidamente as escadas, achando que o apartamento 73 estava logo ali, e dá para imaginar em que estado chegou ao sétimo andar. Como já era um pouco tarde, fiz apenas um resumo. Foi chamada de capa, no alto, à esquerda, com foto da minha nova CNH.
Escrevi a matéria completa no dia seguinte. Ao pé da página, a repercussão sobre a possibilidade de alguém conseguir tirar duas habilitações foi feita pela repórter – mais uma saudosa – Gisela Bisordi.