De padre a escritor

Se vissem o lugar de onde sai, com certeza, imaginariam que eu seria um capinador do cafezal alheio, como meu pai, um retireiro – para os da cidade, o camarada que cuida do gado leiteiro – ou um peão, responsável pelo gado de engorda. Não me lembro de alguém ter me perguntado um dia o que eu gostaria de ser quando crescesse. Só que minha mãe, dona Jovina, apesar de ser uma mulher simples, da roça, de poucos estudos, era visionária e sonhadora. Tinha outros planos para mim e, se dependesse dela, eu seria padre, de batina, breviário, rosário e tudo mais. Depois que nos mudamos para São Paulo, onde conclui o primário, ali pelos 10 anos, ela nem me consultou e já me enfiou no seminário dos padres Paulinos, Km 18 da Rodovia Raposo Tavares. Também se consultasse não ia adiantar nada, pois eu é que não era doido de dizer não, morria de medo dela.

Só que vocação que é “bão” nada. O padre Davi percebeu logo, quando terminei o ginásio e comecei o colegial, que eu não era muito afeito à coisa. Deve ter descoberto as revistinhas do Zéfiro, que eu guardava debaixo do colchão, ou as olhadinhas gulosas que dava pras meninas de minissaia em nossas raras saídas. Despachou-me de volta pra casa, pra desgosto da mamãe. A bem da verdade, essa coisa de padre vinha de um sonho de quando ela se casou. Dizia que viu um de seus filhos no altar, a rezar missa. Só se esqueceu que o religioso poderia ter sido meu irmão, Francisco, que morreu com um ano e meio, dias antes de eu nascer.

Fora do seminário, eu com meus 16 anos, continuei sem saber o que fazer da vida, mas apresentava alguns sintomas. Depois do “fracasso” da vida religiosa, minha mãe desistiu de dar palpite, assim como meu pai, eles só queriam que eu estudasse. A propósito, devo dizer que, da passagem pelo colégio dos padres, cultivei alguns hábitos bastante salutares, como o da leitura diária – devorava até dois, três livros por semana – e o gosto pela área de Humanas. Ainda bem porque de Ciências e Matemática eu não entendia bulhufas. Não era pra menos, imaginem que desde a admissão, naquela época havia admissão antes de entrar para o ginásio, além do português, eu tinha aulas de latim, depois inglês, francês e até grego – se bem que neste caso não fui muito além do alfa e ômega. Outro fator que me estimulou à leitura e a vontade de escrever foi a gráfica das Edições Paulinas, que funcionava anexa ao seminário. Todos os dias, éramos obrigados a passar quatro horas lá dentro, fosse no trabalho gráfico propriamente dito, fosse na revisão de bíblias, revistas e livros.  

Na vida laica, minha facilidade para escrever fez com que a Márcia, minha professora de redação do colegial me estimulasse: por que você não faz jornalismo? Não comprei a ideia de cara, mas fui aplainando o caminho. Minto, durante um tempo, cheguei a pensar em educação física, mas passou logo. Enrolei dois, três anos, comecei a trabalhar, prestei duas vezes o Fuvest, de olho na Comunicações da USP, mas acabei mesmo em Moji das Cruzes, só pelo diploma. O que aprendi foi nas cervejadas com os professores, nas palestras e cursos extracurriculares e, após a formatura, nas próprias redações.

Talvez não tenha sido o jornalista dos meus sonhos, das edições especiais, das grandes coberturas internacionais, mas sobrevivi até hoje. Pode ser que tenha me faltado mais conhecimento, mais ousadia, mais gana, o importante é que não me arrependo de nada. Padre não fui, mas de alguma forma agradei minha mãe. Ao me ver tentando escrever no terreiro com uma varinha, lá pelos meus quatro, cinco anos, ela costumava dizer: “Esse menino um dia vai ser escritor.” Eu ainda chego lá, dona Jovina.        

Manoel Dorneles

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