Outro dia, trecho de um artigo do Hélio Schwartsman, na Folha, mexeu com minha percepção e me deixou preocupado. Acompanhe:
“Embora não exista uma história conhecida de perseguição e opressão contra pessoas de baixa estatura, esse grupo, a crer em estudos norte-americanos, sofre tanto quanto mulheres e negros no mercado de trabalho. Entre os CEOs das maiores companhias americanas, 58% tinham mais de seis pés (1,83 m) de estatura, contra apenas 14,5% na população geral. Cada polegada (2,54 cm) a mais de altura representa um incremento de US$ 789 na renda anual do funcionário. Curiosamente, só o estado de Michigan tem uma lei para coibir o preconceito contra baixinhos.”
Pois é. Supondo-se que Michigan tenha razão, o resto do mundo vai ter de curvar-se e estabelecer canais de proteção aos portadores de pouca sombra? Será que, além das cotas para negros, indígenas, mulheres, LGBT e pessoas com deficiência, vamos ter de criar cotas para baixinhos? E daí, por similaridade, para obesos, magricelas, míopes, gagos…? Ou seja, todos os demais tipos físicos que não se adaptarem aos padrões que Leonardo da Vinci deixou desenhados em seu Homem Vitruviano?
Por aqui, acho que a altura, a cor dos olhos, a maciez dos cabelos e a brancura dos dentes por enquanto ainda não produzem melhores cargos e salários. Mas quem sabe o dia de amanhã? Ainda mais num país que, de dois anos para cá, vem dando passos largos e decisivos em direção ao retrocesso?
O fato de (ainda) não afetar o nível de emprego – que está ruim para todo mundo, é bom lembrar – não quer dizer, porém, que essa parcela de, digamos, desapetrechados não esteja desprotegida. O que acontece, hoje e sempre, é uma espécie de ‘bullying’ estrutural que atinge não apenas os baixinhos, mas também os gordos, os quatro-olhos, os feios em geral e outras classes que passaram longe dos privilégios estéticos.
Até os magros em excesso – que não podem garantir-se apenas por sua beleza natural, como este que vos escreve – acabam entrando no rol de vítimas. Embora seja menos ostensivo, nós, os escanifrados, os magricelas, os escanzelados também não gozamos de muita condescendência pública por nossa aparência diáfana. A menor das ofensas é o conselho para levar pedras nos bolsos durante uma ventania; a pior é a sugestão de não ficarmos de perfil, para não pensarem que não viemos ou que já fomos embora.
É claro que nós, os esqueléticos, não poderíamos ser chamados de ‘baleia’, ‘rolha de poço’ e ‘pudim de banha’, ou de ‘pouca sombra’ e ‘salário-mínimo’, mas, convenhamos, ‘seco’, ‘pau-de-vira-tripa’ e ‘saco de ossos’ também não é para deixar ninguém orgulhoso.
Então, vamos copiar o bom exemplo de Michigan, mas não restringir o ombro amigo apenas aos portadores de insuficiência vertical. Que a legislação a ser criada proteja, tanto do ‘bullying’ estrutural quanto de eventuais desfavores em relação a cargos e salários, todos os que não corresponderem aos ideais estéticos de um povo que só existe em capas de revista – e, mesmo assim, depois de um árduo trabalho no Photoshop. Ninguém merece ser alvo da maldade humana!