Correndo atrás da notícia

Fui jornalista durante 44 anos. A princípio, fechando as edições diárias, dando os retoques finais nas notícias, título, olho, legendas de fotos. Depois, virei repórter. Não do tipo que fica na redação, telefonando, apurando (mais ou menos) os fatos. Sou do tempo em que, para fazer bem uma matéria, tinha de ir para a rua. Caneta e bloquinho eram as nossas ferramentas. Depois, caneta, bloquinho e gravador. Celular, tablet, estes recursos modernos? Só surgiram muitos anos depois.

Literalmente, corríamos atrás da notícia!!

Lembro de uma matéria, em 14 de agosto de 2017, para o Estadão. O então prefeito de São Paulo, João Doria Jr., visitou Palmas, no Tocantins, em plena segunda-feira. Não tenho nenhuma dúvida de que estava em pré-campanha, para ser candidato do PSDB a presidente, em 2018. Só que, nas matérias, temos de colocar os fatos e a palavra do personagem:

E lá fui eu, para o lugar onde funcionava a Fundação do Meio Ambiente. Doria estava numa espécie de quiosque, com o então prefeito de Palmas, o colombiano naturalizado brasileiro Carlos Amastha. Falaria com os jornalistas, quando saísse dali.

Ops: não falaria. O Amastha “decidiu” que o Doria só daria entrevista, depois de discursar para um povo que estava num outro espaço. Como é que é??? Todos os jornalistas começaram a descer, até lá. “Desde quanto o Amastha manda em vocês?”, perguntei. Ninguém respondeu.

Fiquei ali, firme. Quando saíram, cortei a frente do Amastha e coloquei o gravador na cara do Doria, já fazendo perguntas sobre a pré-campanha dele para presidente. Aí, os outros jornalistas voltaram e também o questionaram.

O mais engraçado foi ver a cara do prefeito de Palmas: se pudesse, teria me matado. Literalmente!

Doria alegou ter recebido e aceito convite da Federação das Indústrias (na verdade, foi de um senador do estado) para a convenção do partido e que estava interessado no sistema de Educação do Tocantins.

Só que, no aeroporto, correligionários de políticos tocantinenses com camisetas “Doria Presidente”, para recebê-lo; nas ruas, faixas, com frases do tipo “Tocantins quer Doria presidente”.

Após a reunião com o Amastha e seus “convidados”, Doria seguiu para a Assembleia Legislativa, onde era tal convenção do PSDB Consegui chegar um pouco antes, flagrando funcionários de um deputado, espalhando faixas nas proximidades. Desci do carro e consegui a confirmação de que tudo era orquestrado.

Só que, um verdadeiro jornalista, não abandona a cobertura pela metade, porque acha já ter o suficiente para uma matéria. Segui o Doria até um colégio, onde faria palestra para empresários. Empresários??? O que mais vi lá foram políticos. E o discurso? Um plano de governo para beneficiar a classe empresarial. Quando virou para ir embora, deu de cara comigo: “A senhora é insistente!”

Perguntei ao Doria até sobre a Cyrella e a Cracolândia. A matéria mostrou o que vi e ouvi. Ficou boa, mas um jornalista, com a notícia nas veias, sempre acha que poderia ser melhor.…

Célia Bretas Tahan

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