“Você acha que é assim? Funciona quando você quer, e não quando meu organismo manda? Você acha que é só abrir a porta, me deixar sair para o quintal, apertar um botão na barriga e, zupt!, o cocô sai? Não, parceiro! Tem um monte de rituais preparatórios antes! Tem um monte de coisa pra eu cheirar, tem folhas no chão, tem galhinho de árvore pra mastigar, tem matinho pra ajudar na digestão…
“Tenho de passar em revista todos os lugares que marquei com xixi, pra ver se continuam com meu cheiro!
“Tá com frio? Eu também sinto frio! Até mais que você, todo cheio de blusas aí! Mas eu não posso passar por cima das regras estabelecidas há milênios pra um cachorro fazer cocô. Por exemplo: costumamos fazer nossas necessidades em lugares escolhidos. Não um, nem dois: lugares escolhidos, no geral. E antes de fazer de novo, tenho de verificar todos eles. Às vezes, fica mais difícil, porque você tem mania de recolher o produto – com luvinha de plástico, ui, nojenta! – e meu ponto de referência quase que desaparece!
“E aí eu fico na dúvida: faço aqui, faço ali, faço onde?
“E outra: não gosto que fique olhando, não! Ainda mais com esse seu olhar carrancudo! Queria ver se você deixasse a porta do banheiro aberta e eu ficasse lá, olhando… Olhando e abanando o rabo! Você não ia conseguir nem fazer xixi! Mas não, eu sou diferente, tenho de fazer cocô com plateia, com fiscalização, com controle de qualidade…
“Não me apressa, não, pô! Eu vou fazer! Faz parte da minha natureza fisiológica! Como todo ser vivo, entra por um lado e sai pelo outro! Não vou ficar guardando dentro da barriga, para fazer quando ninguém estiver olhando, porque não tenho como controlar isso! Uma hora tem de sair!
“Meu único controle é com relação ao tempo que tenho para cumprir os rituais! E vou cumprir! Se não quiser esperar, boa noite! Vai dormir e me deixa em paz! Amanhã cedo você pega sua luvinha plástica e recolhe o produto. Se ainda estiver lá…”
