Conspiração

Dizem que, quando a idade avança, a gente vai perdendo a mobilidade, a destreza, a agilidade, a coordenação… Resumindo, vai perdendo o jeito de fazer as coisas da maneira correta. A gente tende a derrubar e quebrar coisas com mais frequência. Isso é real. Mas tenho uma teoria de que nem sempre a culpa é nossa. Nem tudo é por causa de nosso envelhecimento, de nossa caquexia.

Admito que fechar uma gaveta com a mão dentro – como aconteceu comigo outro dia – não contribui muito para comprovar essa teoria, mas esse foi um ponto fora da curva. Já fechei gavetas com a mão dentro quando era jovem, e nem por isso me senti a caminho da inoperância senil. Quando se é desastrado por natureza, nem vale a pena questionar se a culpa pelo desastre é nossa ou desse movimento conspiratório a que vou me referir logo mais.

Se você, companheiro idoso, não é do tipo catástrofe ambulante, entretanto, pense bem: quando derruba um copo que estava na beira da mesa, espalhando-o em cacos pelo chão, foi você que inadvertidamente moveu sua mão na direção do copo estático, ou foi o próprio copo que se movimentou alguns milímetros em direção ao inocente trajeto de sua mão e, tal qual um piloto kamikaze, entregou a vida em missão?

E quando você tenta retirar algo de algum lugar, e esse algo bate em alguma coisa, cai de novo dentro de algum lugar, e você tenta retirar de novo, e aí você consegue, mas esse algo cai no chão? Quem seria tão bem treinado para fazer tanta coisa errada em tão pouco tempo? Nem preciso responder.

Minha mulher acha que isso tudo é paranoia minha – sentimento (a paranoia) que costuma exacerbar-se com a idade, reconheçamos – mas eu duvido. Como desastrado de nascença, acredito que derrubar a quebrar coisas faz parte de meu currículo. Mas e aquelas pessoas finas, delicadas, cuidadosas… a partir de quando passaram a ser um ciclone-bomba a circular pelas dependências da própria casa?

Creio que exista uma conspiração do universo que nos cerca para provocar o descrédito dos idosos. Eles se aproveitam de que os velhos ficaram acostumados a assumir a culpa por gestos atabalhoados, atribuindo-os ao desgaste natural de sua coordenação motora, e passaram a colecionar objetos frágeis nas proximidades desses idosos – todos eles prontos a se colocar em rota de colisão – para aumentar o complexo de ‘eu não presto para nada’ dos pobres coitados.

O que eles, os objetos, ganham com isso? Nada. Apenas a satisfação sádica de ver alguém recolhendo os cacos e maldizendo o pobre idoso, que não teve culpa nenhuma pelo desastre. Isso nunca vai ter fim. A não ser que os velhos parem de se culpar pelos pequenos incidentes que provocam – o que eu estou fazendo com este texto – e deixem que a conspiração universal se acerte com quem está recolhendo os cacos.

Enquanto isso, que tal um cochilo na poltrona?

Marco Antonio Zanfra

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