Calabresa com leite

O namorado de minha filha é altamente intolerante à lactose, e obviamente não poderia experimentar a pizza de muçarela que fiz no domingo. Reservei a ele, então, duas fatias de uma segunda pizza, de calabresa, teoricamente inofensiva à alergia dele. Mesmo assim, o rapaz passou mal. Muito mal. Porque, acreditem, a linguiça calabresa da Sadia leva leite em pó em sua composição.

Meus queridos leitores espantaram-se? Eu, nem tanto, porque já havia descoberto, no final do ano, que uma insuspeitada peça de salame também levava leite em sua composição. Não exatamente na composição, porque não aparece entre os ingredientes. O alerta aos intolerantes surge apenas no final, em letrinhas minúsculas, avisando da possibilidade de haver leite, soja e ovos no embutido.

Pois eu sou do tempo em que tanto o salame quanto a linguiça eram feitos exclusivamente de carnes.

Viver é perigoso, todos sabemos. A cada dia descobrimos que atividades prosaicas de nosso cotidiano podem às vezes oferecer riscos. A cada dia recebemos informações de que a vida pode não ser esse mar de rosas que, tirando os percalços econômicos de sempre, estamos acostumados a saborear. Os riscos, às vezes, estão ocultos por detrás dos pequenos prazeres.


Está na lei que rótulos de produtos alimentícios que possam trazer algum perigo devem destacar a presença de produtos alergênicos em sua composição. Os produtos que de alguma forma ofereçam risco de reações alérgicas devem trazer essa possibilidade muito bem expressa no rótulo, até em forma de desenho, para atingir a ainda significativa população analfabeta. Colocar em letras miúdas que um salame pode conter leite cumpre essa legislação?


Os perigos para os alérgicos são insondáveis. Vocês sabiam, por exemplo, que saborear uma paçoquinha pode representar risco de vida? Ou que carregar de mostarda um suculento cachorro-quente pode – caso você escape de ser envenenado por algum dos misteriosos produtos que compõem a salsicha – provocar no mínimo uma raivosa urticária?


Acostumamo-nos a ver nos rótulos de produtos – geralmente massas e farináceos – o alerta “contém (ou não contém) glúten”. Acho que a maioria de nós conhece os celíacos e os efeitos que o glúten provoca em seu organismo. Mas e o resto dos intolerantes?


Amendoim, ovos, leite, soja, crustáceos, peixes, castanha, mostarda, gergelim… Façam uma pesquisa rápida na rede e vocês vão descobrir que metade dos casos de alergia diagnosticados se refere à intolerância alimentar. Tem gente que não pode comer maçã, nozes, tomate, espinafre, uvas, banana, cacau, moluscos, frango, morango… Tem gente que não é afetada diretamente por esses alimentos, mas tem reações alérgicas a corantes e outros componentes utilizados na industrialização alimentar.

Creio que todo mundo deve ter sua alergiazinha, aqui e ali, mas na maioria dos casos as reações são tão pouco notáveis que não nos forçamos a privar-nos de um prazer gustativo para evitar um prazer coçativo. Há efeitos mais drásticos, claro. Por isso, a legislação tenta – talvez nem tanto quanto deveria – proteger os intolerantes.

Mas, voltando ao primeiro parágrafo: dá para tolerar leite em pó na composição de uma linguiça calabresa?

Marco Antonio Zanfra

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