Não o conheci pessoalmente, nunca trabalhamos juntos – mesmo porque ele era de uma geração de jornalistas bem anterior à minha – mas eu era fã de Luiz Roberto Souza Queiroz, o Bebeto, que morreu esta semana, aos 83 anos. ‘Descobri’ Bebeto na seção ‘Memórias da Redação’ do semanário Jornalistas&Cia num dos muitos textos com que ele nos brindava quase sempre. Creio que ele tenha sido o mais assíduo frequentador daquele cantinho de memórias.
Porque ele as tinha. Exímio contador de histórias, ele tinha um acervo próprio de causar inveja. Em mais de cinquenta anos de trabalho no Grupo Estado, especialmente como repórter, ele tinha muita vida vivida para pôr no papel. O que diferenciava as histórias reais dele das histórias reais de outras pessoas era seu estilo de contá-las. Histórias todos temos; talento para contá-las é para poucos.
Um dos textos do Bebeto me inspirou a escrever outro, publicado em maio de 2019 no J&Cia. Claro que não tento estabelecer semelhanças e qualidades entre os dois textos, principalmente porque o dele, além de mais estiloso, era muito mais rico em informações. Mas acho que posso fazer uma homenagem a ele reproduzindo minhas memórias, inspiradas nas memórias dele.
De novo o linotipo
Acompanhei com divertido interesse o Memórias da Redação com que Luiz Roberto Souza Queiroz nos brindou na edição 1.171 deste Jornalistas&Cia. Aos que não se lembram ou não leram, um pequeno resumo: ele narra os primórdios de nosso jornalismo impresso – mas, claro, a partir da época em que ele próprio era jornalista, na década de 1960, no “Estadão de antanho” – e conta das antigas máquinas de linotipo, do chumbo derretido, da calandra, da rama e do flan, a massa de papelão que se transformaria num negativo da página montada na rama e era meio caminho para a versão cilíndrica da matriz para impressão.
Digo que acompanhei com interesse porque, apesar de não ser tão antigo quanto o Bebeto – e ele há de perdoar esta minha indiscrição –, também encarei profissionalmente uma máquina de linotipo, o cheiro de chumbo derretido e a rama. Só não tive contato com o flan, porque a impressora era plana. Mas o detalhe é que essa minha experiência foi anacrônica, porque aconteceu 15 anos depois de eu ter-me iniciado no jornalismo
Nos anos 1960, época do “Estadão de antanho” mencionada pelo Bebeto, estava eu ainda na aurora da vida, cursando o ginásio – no mesmo colégio que o Edu Ribeiro, por sinal, coisa que vim a saber mais tarde. Ao jornalismo, passei a dedicar-me em 1977, após formar-me na Cásper Líbero. Entrei na Folha nesse ano e em 1982 o jornal começou a engatinhar no jornalismo informatizado, a partir da digitação de textos em terminais de vídeo.
Conheci o equipamento jurássico em 1992, depois que, numa dessas reviravoltas da vida, fui trabalhar em Brusque, Santa Catarina. Já havia visto uma máquina de linotipo no prédio da Gazeta (avenida Paulista, 900, onde funciona a faculdade de comunicação), mas como peça de museu, silenciosa e imóvel como um jacaré no zoológico. A diferença é que, em Brusque, ela estava ativa. Era lá que o tradicional semanário O Município, pertencente na época à tecelagem Buettner, era composto.
Não que ali ela não fosse anacrônica. Era quase uma peça de museu já ao chegar. Ninguém saberia operá-la. Tanto que, quando foi adquirida, tiveram de ‘adquirir’ junto o operador, o gaúcho Jones, que conhecia todos os macetes da paquidérmica estrutura. Com ele aprendi que, para dar um espaço entre as palavras, a gente usava o joelho direito.
Era interessante ver o chumbo derretido escorrer por uma canaleta e formar blocos com linhas de texto, que depois eram montados na rama pelo chefe Padoani. Era ele também quem montava os títulos, letra a letra, e distribuía os poucos – e quase sempre repetidos – clichês, as fotos que quebravam a monotonia e crueza do texto.
(Digo que os clichês eram quase sempre repetidos porque sua confecção, fora do jornal, era demorada e só aprovada em casos especiais; Clésio, zagueiro do Brusque F.C., que naquele ano foi campeão catarinense, reclamava que sua foto era do tempo em que cumprira o serviço militar, cinco anos antes).
Fiquei apenas cinco meses em O Município, apenas o suficiente para viver a experiência de ver meus textos serem compostos em linotipo e passados para o papel, quase em baixo relevo, numa impressora plana, tão jurássica quanto a máquina da
composição. Em 1993, a linotipo foi aposentada de vez e passou a ser efetivamente peça de museu. O jornal passou a ser rodado em off-set. Não sei com o que Jones passou a trabalhar a partir de então.