Tinha tudo para dar certo aquele casamento. Tinha. Ele de leão, ela de sagitário. Conjunturas astrológicas às favas, eram carne e unha os dois; bem pra cá, bem pra lá, coisa de dar inveja no clube, no condomínio, entre os amigos. Mentia quem dissesse que já os vira brigando, discutindo, discordando, seja lá por qual motivo fosse. Dez anos juntos, só calmaria, nenhuma tempestade, sequer uma frente fria, chuvisco, garoazinha, nada. Até que chegou um carnaval. Não um carnaval qualquer, mas aquele, o do Milênio, quando todas as escolas de samba iriam comemorar a entrada no século 21. Ele queria um camarote no sambódromo, ela preferia a avenida; samba no pé, quem sabe um dos destaques de bateria. Ele gostou do samba enredo da Mangueira, ela do da Portela. Um amigo comum, ao prever alterações climáticas, numa tentativa de desempatar, sugeriu um cruzeiro, por que não, aproveitando a temporada no Brasil. Ele se interessou pelo pacote da MSC, ela não trocava por nada o da Cruzeiros Costa. De novo o amigo em ação: “Praia acho que vai ser melhor pra vocês.” Ele gostava de Búzios, ela preferia Noronha.
O amigo, ao prenunciar o temporal, mais uma vez interferiu: “Fosse vocês, iria para a montanha.” Boa dica… ele se sentia em casa em Campos do Jordão, ela era muito mais a Serra Gaúcha. Lá vem o amigo socorrê-los de novo: “Acho que o ar do campo vai fazer bem pra vocês dois”. Pode ser. Ele escolheu uma antiga fazenda de café em Valença, ela tinha ótimas referências de uma pousada em Bananal. “Por que não um retiro espiritual?”, propôs mais uma vez o conselheiro já de cabelos em pé. Ele queria um templo budista nos arredores de São Paulo mesmo, ela uma comunidade alternativa na Chapada dos Guimarães. Outra vez, o amigo: “Melhor um mosteiro católico.” Ele queria o dos beneditinos, ela o das monjas franciscanas. “Já vi que rezar não vai adiantar nada, melhor cada um de vocês fazer o que der na telha”, conformou-se o palpiteiro.
Quase véspera do carnaval, e os dois ali, naquele impasse. Na sexta-feira, ele levantou mais cedo que de costume, irritado mesmo, não esperou pelo café, nem sequer pelo bom dia. Tomou banho e saiu batendo a porta. Desce ao primeiro subsolo, o da sua garagem, entra no carro e fica lá a pensar na vida, no casamento, nas indecisões femininas.
Ela acordou com o barulho da porta, tomou um banho rápido; sozinha nem se lembrou do café. Passou o vestido, arrumou-se e desceu direto para o segundo subsolo. Ligou o carro e nem parou para pensar na vida, no casamento, nos vacilos masculinos. Arrancou a toda, saiu do prédio e, antes da primeira esquina, lembrou-se de que esquecera o ferro ligado. Deu meia volta, entrou com tudo pelo portão da garagem e, de uma só vez, destruiu os dois carros da família.
O divórcio agora é que anda meio complicado. Ele quer resolver tudo no tribunal de pequenas causas, ela quer o fórum criminal. O amigo decidiu não dar mais palpites…