Era apenas uma história casual, bastante explorada em filmes e novelas: um bom garoto, orgulho da família, primeiro aluno da classe, com um futuro risonho, apaixona-se por uma boa garota, orgulho da família, primeira aluna da classe, com um futuro risonho… Mas o pai da garota era contra o relacionamento.
Não da boa garota com o bom garoto, mas dela com qualquer garoto, bom ou não.
Quem não se lembra de ‘Toda donzela tem um pai que é uma fera’, peça de Gláucio Gill, transformada em filme por Roberto Farias? Quem não se lembra de ‘Romeu e Julieta’, cujo impeditivo era uma desavença atávica entre as famílias Capuleto e Montéquio? Quem não consegue acrescentar nesta pequena relação tantos e quantos outros casos de amor que se transformaram, ou quase, em tragédia?
Pois, na singeleza de sua boa-mocice, o garoto pensou que o problema seria resolvido apenas com uma conversa. Era só ele mostrar para o pai de sua amada que ele não era um aventureiro, um cafajeste de periferia, mas um bom garoto, um garoto de família, que tinha as melhores intenções com sua filha donzela, que queria dar-lhe bons netos, orgulhos das famílias, primeiros alunos das classes…
Para isso, nada melhor do que levar os pais para essa conversa com o futuro sogro, para mostrar que era um garoto de família, orgulho dos pais, que tinha tudo para ser um genro querido e trazer a felicidade também para aquela família. Dá para imaginar a cena: um bom garoto e seus pais orgulhosos, vestidos com ‘roupas de domingo’, achando que o pai da donzela ficaria comovido com a demonstração de boa família e que a boa garota e o bom garoto se casariam e viveriam feliz para sempre, como num conto de fadas.
Mas o pai da donzela não quis conversa! Disparou treze vezes. O garoto de família e a família do garoto ficaram estendidos no chão, as boas intenções espalhadas pelo asfalto, mortas como os três. E a história de amor virou tragédia, como ‘Romeu e Julieta’, como Tony e Maria em ‘West Side History’, como Orfeu e Eurídice.
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Agora, de volta à realidade:
Dá para pensar que noventa e oito anos da condenação imposta ao pai assassino Paulo Cupertino Matias, que matou o ator Rafael Miguel e seus pais em 2019, dando um desfecho dos mais trágicos ao que poderia ser uma bela história de amor, vai compensar o futuro que foi cortado pela raiz? Que punição seria suficiente para essa espécie de monstro que destrói duas famílias por causa de um assunto que certamente poderia ter outro desfecho? Há punição que compense a dor que ele causou?
Acho que não! Os malditos nunca terão uma pena à altura!