Tem uma piadinha correndo na internet sobre as vantagens de morar sozinho. Não é nova, mas é engraçadinha. Diz o seguinte:
“O lado bom de morar sozinho é que, se você demorar no banheiro, ninguém vai bater na porta e gritar: ‘Morreu aí dentro?’
O lado ruim é se você tiver morrido mesmo!”
Ri quando li, mas fiz uma ressalva: se você tiver mesmo morrido dentro do banheiro, não estará mais aqui para julgar se a situação é ruim ou não! Aliás, você não estará mais aqui em condições de julgar nada! Se houvesse uma fila para agrupar as pessoas que desejassem dar sua opinião sobre qualquer assunto, nem iriam deixar você entrar nela!
Depois de morto, quem vai se incomodar com sua presença no banheiro serão os outros! Que vão, inclusive, ocupar-se com os trâmites para retirá-lo de lá e dar os devidos encaminhamentos ao que restou de sua massa corpórea. Você mesmo, ó, nem aí! Você vai ser só o que restou de sua massa corpórea, à estoica disposição do que resolverem fazer com ela.
Mas imagine se você entrou no banheiro e só dois anos depois alguém bateu na porta e gritou ‘Morreu aí dentro?’ Pois foi o que aconteceu com uma senhorinha italiana de setenta anos, Marinella Beretta, que não estava no banheiro, mas sentada numa cadeira na sala de sua casa, na região da Lombardia, e deve ter morrido, segundo o legista, no final de 2019.
Como eu disse nos parágrafos anteriores, ela devia estar pouco se lixando pelo fato de que o que o restou de sua massa corpórea ter ficado dois anos esperando por um encaminhamento devido. Mas e quanto ao resto da Humanidade? A mulher era tão invisível assim, a ponto de ninguém ter percebido sua ausência? Ainda que não tivesse parentes, não tinha vizinhos? Não recebia benefício previdenciário, não pagava boletos, não frequentava supermercado, não tinha conta em banco?
Tive uma ideia, certa vez, para um romance: tratava de um misantropo que, decepcionado com o comportamento dos seres humanos – dos outros seres humanos, claro! – construíra um abrigo subterrâneo, absolutamente secreto, para isolar-se do mundo. Mas sofrera um infarto fulminante quando entrava na casamata, para ultimar os preparativos de sua mudança.
Resultado: morrera como queria, isolado do mundo, sem ninguém ficar sabendo. A ideia de morrer, porém, sequer havia passado por sua cabeça, e só a partir de ter-se finado é que ele começou a pensar como seria com seu corpo ali abandonado, sem um velório, um enterro… Como em ‘Memórias Póstumas de Brás Cubas’, o narrador da história é o próprio morto. E ele passa o tempo se autobiografando, descrevendo sua desilusão com a Humanidade e lamentando ter morrido daquele jeito solitário.
Mas a situação dele é ainda pior do que a de qualquer outro defunto esquecido pelos outros: por estar num ambiente asséptico, isolado do mundo real pelo concreto armado, nem poderia, como Brás Cubas, dedicar suas memórias “ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver…” Pois nem vermes haveria…
Lembrei de um romance do Stephen King, em que o casal compra um chalé no meio do fiofó do mundo, isolado de tudo, e decide passar as férias lá. Num momento de saliência, o marido propõe algemar a patroa à cama e apimentar a relação. Ela topa. Ele algema. A safadeza começa e ele tem um infarto fulminante em cima dela. No meio do nada. A porta do chalé, encostada, só permite a entrada de um lobo. Que, sendo livro do Stephen King, entra! O resto, só lendo. Esse é o primeiro capítulo.
Vai apimentar a relação assim lá na casa do chapéu!
Só faltou o nome do livro…
O nome do livro seria o mesmo da crônica.