Amanhã não vai dar praia!

Não sei quanto aos demais países do mundo, mas aqui no Brasil, passamos quase uma semana na janela, à espera do Milton. Apesar de alguns estragos, achei que o “Miltinho” (permitam que eu o chame assim) frustrou as expectativas. Vamos convir que furacões de nomes femininos são muito mais avassaladores. Passam e levam tudo pelos ares. O Milton se foi e já nos ouriçamos sobre qual será o próximo evento, por lá, evidentemente.

Muito louvável essa preocupação com desastres naturais no país vizinho. O problema é que esse bisbilhotar nos quintais alheios faz com que esqueçamos de olhar para o nosso próprio rabo. Há exceções, caso do meu filho, Vitor, e mais uns e outros de sua geração, que andam muito inquietos com as questões ambientais, com as catástrofes que nos assolam, caso das enchentes no sul do País, a seca no Norte, as queimadas (muitas delas provocadas pelo homem), o futuro do nosso planeta, enfim.

Não lhes tiro a razão, a não ser quando me apontam o dedo e indagam se, na minha juventude, tínhamos o mesmo tipo de preocupação. Devo admitir que não. Falo por mim, mas duvido, que alguém de minha faixa etária tenha tido esses cuidados ambientais um dia. Vivíamos os anos do “éramos felizes e não sabíamos” e o máximo que nos permitíamos era rir vez ou outra da velha piada: “Este país não precisa de vulcões, maremoto, terremoto, haja a vista a qualidade dos políticos que temos por aqui.”

Se os políticos eram ruins, descambaram de vez. Ervas daninhas, agora, criam leis de encontro ao ambiente. De um lado, na calada da noite, deixam “passar boiadas”; de outro, contemplam com olhos gulosos e bolsos fundos o desfile de minerais, madeira, nossas riquezas, sem volta. Fingem surpresa, diante de projetos de proteção ambiental, engavetados há anos, adivinha por quem? Agora mesmo, o ilustre governador de São Paulo acaba de vetar projeto que instituiria educação ambiental nas escolas do Estado. Nem precisa, para que isso, né?

Nos anos 1960, 1970, por assim dizer, a expectativa de vida era bem mais curta, o hábito de fumar estava presente em todos os ambientes, mas tínhamos uma alimentação mais saudável. Não tínhamos tantas opções à mesa, mas a comida natural prevalecia sobre a processada. A medicina não era tão avançada quanto nos dias que correm, mas não se inventavam vacinas para vender doenças, como nos dias de hoje.

Poluição atmosférica era uma realidade, sim, ainda mais que não haviam ainda os órgãos controladores dos níveis de fumaça. Claro que havia desmatamento também, mas tudo em menor escala. Talvez não nos preocupássemos, pois ninguém falava em buraco na camada de ozônio, aquecimento global, derretimento do gelo do Ártico ou da Antártida, elevação do nível dos mares.

Nos meus tempos de faculdade, cinco barbados lotavam um fusquinha, sem cinto se segurança, sem lenço e, muitas vezes, sem documentos, e desciam até a praia. Sim, havia praias e praias, poluídas no máximo por um coliforme fecal aqui, outro ali, mas no geral, intactas. E hoje em dia? O que está sendo feito delas? Não bastassem a poluição das águas, o nosso lixo acumulado, corremos sério risco de ficar sem elas em várias regiões do Brasil.

Assistimos a “engorda” de praias ao norte de Florianópolis, em Balneário Camboriú, em Santa Catarina; Ilha Comprida, no litoral sul de São Paulo; Região dos Lagos, no Rio de Janeiro; em Itacaré, na Bahia; e agora, no Rio Grande do Norte. A propósito, estive recentemente no litoral potiguar e pude acompanhar pessoalmente o estrago provocado pelas marés. A região é linda, mas a sensação que fica é alguma coisa do tipo “visite antes que acabe”.

O trecho entre a Via Costeira e o Morro do Careca, principal cartão postal de Natal, está interditado aos turistas. Engolida pelas ondas, a faixa de areia de Ponta Negra praticamente desapareceu. A solução encontrada pelo governo estadual está no alargamento da praia, cujo entorno abriga os principais hotéis e restaurantes da cidade.   

O avanço do mar não prejudica apenas a área mais central de Natal. A praia de Redinha, na Zona Norte, também enfrenta problemas. A impressão é de que a área sobreviveu a um bombardeio, casas e prédios a beira-mar destruídos, muros de contenção, avenidas esburacadas, em consequência da infiltração das águas do mar, e por aí vai.

O derretimento das geleiras nos dois extremos da Terra é uma realidade. As consequências, como ensinam os cientistas, são aumento gradativo do nível das águas do mar e o desaparecimento de países insulares e de boa parte de regiões costeiras, inclusive, as nossas.

Pode ser o fim do mundo? Pode, mas é coisa para cem anos ou mais. Ou não? Impossível prever. Impossível que, com todo o desenvolvimento tecnológico à disposição, o ser humano vá esperar placidamente o naufrágio, enquanto a orquestra toca. O mais cruel para nós, sexagenários, septuagenários, é ouvir dos mais jovens, coisas do tipo “Ah, vocês já viveram, já curtiram bastante, não tem problema. Mas isso tinha que acabar justo na nossa vez?”
 
Manoel Dorneles

2 comentários

  1. Esqueci de dizer que o próximo evento catastrófico lá nos States também tem nome masculino. Ou estou “Trumpeteando” alguma inverdade?

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