Eu tinha dez anos quando Walt Disney morreu. Foi um choque. Eu vivia plenamente no mundo encantado que ele havia criado. Senti mais a morte dele do que a de meu bisavô – o único que conheci – um ano antes. Mas o que me marcou mais não foi sua morte, mas a reação de minha tia a ela.
Triste, em estado de comoção, desci uns cinquenta metros da rua, desde minha casa até a casa dela. Entrei e, em tom choroso, dei a notícia: “Tia, Walt Disney morreu!” Ela nem olhou para mim, nem abandonou o que estava fazendo, e disparou, com a sensibilidade de uma ostra gratinada: “Antes ele do que eu!”
Como eu disse, foi um choque – mais a reação do que a morte! Mal comparando, foi como se ela tivesse dito “e daí, não sou coveira!” Toda a sensibilidade empregada na construção de meu luto foi jogada no meio do chão da cozinha. Como alguém podia ser tão mesquinha? Senti vontade de dizer ‘antes ela do que ele’, mas não quis descer ao mesmo nível.
Não conseguia compreender, na simplicidade de minha infância, como alguém podia tripudiar assim sobre a morte de alguém como Walt Disney, quase uma divindade, um ser mágico, capaz de criar a fantasia que embalava meus sonhos infantis, capaz de dar vida a ratos, passarinhos, patos, brancas de neve e cães vagabundos. Como podia?
Só muito mais tarde é que fui saber que o velho Walt não era aquilo tudo que o menino aqui acreditava: racista, reaça, informante do FBI, dedo-duro do macarthismo, talvez até neonazista. Ao saber disso, não tive um choque, porque minha cabeça já estava mais bem estruturada. Mas tive, certamente, uma grande decepção.
Nunca perguntei a ela, mas fico imaginando se minha tia sabia disso tudo na época e por isso tratou a morte dele com tanto desdém.
Disney não foi, entretanto, minha única decepção na vida com os chamados ‘santinhos do pau oco’. Nem preciso voltar ao passado para fazer minha lista de pessoas que, antes no panteão, caíram fora da categoria de ‘admiráveis’: Regina Duarte, Roger Moreira, Cássia Kis, Ronaldinho Gaúcho, Malvino Salvador, Neymar… Há outros, muitos outros, mas estes são os mais ‘lembráveis’. Alguns, como os sertanejos, nunca frequentaram minha ribalta, mas agora estão todos, merecidamente, na minha lista de ‘personas non gratas’.
E o triste disso tudo é que todas elas estavam lá, como Walt Disney na minha infância, e foram reveladas em sua espúria natureza graças a um catalisador fascista. Dizem que há males que vêm para o bem.
Pois é. Vivendo e aprendendo. Desde os dez anos de idade.
A propósito: Walt Disney faria 121 anos no próximo dia 5 de dezembro; sua morte, de câncer no pulmão, completa 56 anos em 15 de dezembro.
Hmmm de acordo com essas coordenadas, a casa da tia do meio da rua era a minha, logo a tia que te soou mesquinha era minha mãe.. Acho que ela sabia 😉 wink wink
Sua mãe sempre foi muito clara em suas posições, nunca botou panos quentes ou procurou amenizar as críticas. Dou valor a ela hoje por isso.