Sou do tempo em que as crianças costumavam pedir a bênção, fosse de seus pais, fosse de avós, tios e até mesmo pessoas mais velhas que nos eram próximas. Em casa, antes de ir para a cama, sempre tinha o “bença, mãe”, “bença, pai”. Eles respondiam lá do quarto com um “Deus abençoe” e a gente dormia com a sensação de termos adquirido uma espécie de salvo-conduto para enfrentar a travessia noturna, que então nos parecia sombria e perigosa. De manhã, ao nos levantarmos ou antes de sair para a escola, a mesma ladainha, “bença, mãe”, “bença, pai”.
Nunca me neguei a cumprir esse ritual, também não era nem louco. Minha mãe, muito das antigas (e bota antiga nisso) fazia questão de que pedíssemos a bênção, não só a ela e a meu pai, mas a todos os nossos tios. E ai de nós se não o fizéssemos. Aliás, no quesito cumprimentos, estou pra ver uma pessoa mais rígida. “Quer queijo com goiabada?”, indagava. Claro que sempre queria, mas tem aquele dia em que você recusa. A resposta tinha sempre de ser “Não, senhora”. O “não” sozinho resultava numa bronca daquelas, quando não num belo cascudo.
Isso valia também para todas as pessoas “mais velhas” que encontrávamos. Dona Jovina (esse o nome da fera) exigia que sempre nos dirigíssemos a eles como senhor. “Senhor daqui”, “senhor dali”. Não sei se já lhes contei, mas reconto aqui fato que se deu como consequência dessa minha mania de falar senhor pra todo mundo. Lá pelos meus seis anos, conversava eu com um menino, mais ou menos da mesma idade que a minha, quando tasquei um “O senhor não quer bolacha, biscoito, qualquer coisa assim”. Minha mãe, que ouvia a conversa, interveio e me explicou que, nesse caso, o senhor era totalmente dispensável.
De volta ao costume de pedir a bênção, ressalto que isso era uma coisa meio instituída em nossa família, principalmente na roça. Por conta de alguns casamentos temporãos, alguns até de aparentados, de vez em quando, me espantava ao ver meus primos, marmanjos já, a pedir a bênção a seus tios pequenos, alguns deles mal saídos das fraldas. E eles o faziam com todo o a cerimônia, sérios, em voz alta, mãos postas, como tinha de ser. Hoje em dia, o hábito ainda persiste pelo interior do País, mas nos grandes centros praticamente despareceu.
A impressão que fica é de que, atualmente, os mais jovens se consideram abençoados o suficiente, a ponto de dispensar esses salamaleques paternos ou maternos. Tchau, pai. tchau, mãe, é o máximo que se prestam a fazer, quando saem para as baladas da vida. No retorno, pelas madrugadas, cansados, dormem exaustos, e nem lembram de quem, muitas vezes, não pregou o olho, enquanto não ouviu o barulho do abrir da porta ou do portão. O excesso de confiança viria das novas tecnologias? Eu aqui no Instagram eu me garanto, poderia pensar um. Que o WhatsApp e o Facebook nunca nos abandonem, pediriam outros.
Com a dona Jovina, que nos deixou, bem lúcida, nos seus quase 97 anos, não tinha refresco. Viúva, ela dividia a casa com minha irmã, meu cunhado e minhas duas sobrinhas. Todo dia cobrava das meninas que lhe pedissem a bênção. “Benção de vó vale duas vezes”, costumava dizer. Milena, a mais nova, com seus cinco ou seis anos, quase sempre esquecia de sua “obrigação”. Era a mais cobrada delas.
Um certo dia, “de saco cheio” de tanto ouvir o pedido da avó, a menina perguntou: “Por que tenho que pedir a bênção todos os dias pra senhora, vó?” Minha mãe explicou que isso era importante, pois em suas orações, ela pedia a Deus que a enchesse de bênçãos. “Ah, vó, não precisa mais disso, não, agora que aprendi a rezar, deixa que eu mesmo entro em contato com Deus e peço a Ele que me abençoe”, respondeu Milena, toda cheia de si ou de Mi…
Manoel Dorneles
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Ao passo que andava a inteligência da Milena, acredito que em mais cinco ou seis anos ela tinha já deixado até de rezar.
Não deixei não! 😂 Talvez hoje ainda não aprendi a rezar como a Dona Jovina, mas é a meta para abençoar meus filhos e netos 🙏🏻❤️